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Inédito

Para Nicolau Sevcenko, debater o urbanismo inclusivo é crucial

Historiador morto neste mês escreveu orelha de livro sobre habitação social

O MOMENTO DECISIVO PARA A MUDANÇA DO PAPEL SOCIAL DA ARQUITETURA FOI CATALISADO PELA PRIMEIRA GUERRA

DE SÃO PAULO

Um dos últimos trabalhos do historiador Nicolau Sevcenko, morto no último dia 13 aos 61 anos, foi a orelha do livro "Pioneiros da Habitação Social - Volume 1", de Nabil Bonduki. A obra será lançada pela editora Unesp no início de setembro. Leia abaixo o texto de Sevcenko.

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Há uma história alternativa da arquitetura no século 20, que passa ao largo dos grandes mestres e das correntes dominantes, definidoras das narrativas que estabeleceram os paradigmas de referência para os debates, as práticas projetuais e a educação arquitetônica contemporânea. Mas, muito embora essa história possa ser menos vistosa no âmbito acadêmico ou nas lides da profissão, ela é decisiva para o encaminhamento das mais prementes questões sociais, políticas e éticas do mundo industrializado. Trata-se da questão crucial, diversamente denominada conforme o ângulo de abordagem, de arquitetura social, políticas habitacionais ou urbanismo orgânico e inclusivo.

O padrão da urbanização improvisada, tumultuária e precária, desencadeada pelo primeiro momento da industrialização, suscitou nas autoridades reações alarmadas que oscilavam entre os excessos repressivos, higienistas e disciplinadores. Os bairros operários eram áreas estigmatizadas, sob permanente tutela, vigilância e práticas de confinamento.

A saída saudável, contraposta àquela cena ameaçadora, era concebida como uma estratégia de fuga da cena industrial: os centros cívicos de urbanismo refinado, monumental e segregador, a cidade-jardim, o subúrbio elegante.

O momento decisivo para a mudança do papel social da arquitetura foi catalisado pela Primeira Guerra Mundial. A escala sem precedentes de destruição, a disseminação de surtos revolucionários, os deslocamentos demográficos maciços, a crise dos refugiados, tudo convergiu, no pós-guerra, para a reconfiguração do estatuto tradicionalmente estético da arquitetura ou precipuamente técnico do urbanismo, para uma nova e fundamental dimensão ética, política e social. Num texto seminal, "Construir, Morar, Pensar", Heidegger redefiniu o destino da civilização industrial numa ampliação inédita do papel da arquitetura como o cimento da coesão social, "existir como ser humano significa morar".

Esse veio crítico seria radicalizado após a Segunda Guerra, suscitando alguns dos mais inspiradores movimentos de transformação social enraizados em projetos de reforma urbana: a crítica de Henri Lefebvre, o movimento Utopie e os Situacionistas na França, os Provos nos Países Baixos, o Archigram no Reino Unido, Domus na Itália e o Team-10 no contexto do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam). As propostas eram várias, mas o substrato era o mesmo, o direito fundamental de todos à moradia digna, de qualidade, integrada à dinâmica da vida urbana e social, em harmonia com o ambiente natural e enriquecida pelas oportunidades de trabalho, transporte, educação, cultura e lazer.

Essa é a grande história do século 20; o mérito extraordinário deste amplo projeto coletivo de pesquisa, articulado e condensado pelo arquiteto, professor e ativista Nabil Bonduki, é exatamente o de contextualizar o Brasil nesse desafio, não apenas para que o compreendamos e nos situemos em relação a ele, mas sobretudo para que possamos interagir crítica e diretamente com sua pauta transformadora e emancipadora. Um trabalho prodigioso pela escala e acuidade analítica, mas ademais oportuno, inspirador e de irresistível apelo solidário. Essa pesquisa imprescindível traz um apelo para que transformemos o desafio dos pioneiros nas respostas concretas, dignas e urgentes do nosso tempo.


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