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Análise

Atriz e escritora se equilibram em malabarismo imodesto

VINICIUS TORRES FREIRE COLUNISTA DA FOLHA

Fernanda Torres parece humilde, como diz o povo. Chega tímida ao camarim do teatro onde faria uma entrevista-espetáculo com jornalistas da Folha, para falar de seu romance de estreia, "Fim".

Faz piadas autodepreciativas: não, não estudou, confunde as peças de Aristófanes, lê "velha" os "clássicos" da literatura, passou a juventude na praia e na festa da zona sul do Rio, apesar de ser então "devota de Flaubert".

Mas a mulher estreou no palco aos 13, na TV aos 14, em novela aos 15, no cinema aos 17 e ganhou uma Palma de Ouro aos 20. Fez uma dúzia de peças, duas dúzias de filmes, produz espetáculos, teve dois filhos e três maridos. Publica na Folha, na "Veja Rio" e na "piauí".

A menina que um dia foi "adolescente casmurra, jovem apenas depois dos 18", "redonda, candidata a obesa", também pratica ioga radical e pilates, viaja muito, conhece mundos de gente célebre ou nem tanto, passa em revista peças, filmes, concertos, exposições da hora e eventuais shows de sangue do vale-tudo, UFC. Mas até dorme, conta que é pessoa diurna, que gosta de rotina e vida caseira, quando zapeia a TV parando com gosto em pornochanchadas, escaninho mal desprezado da cultura brasileira, diz.

Essa vida não combina com a modéstia "não sei nada", menos ainda com a ambição literária inaugurada na prática depois dos 40. Teria publicado seu romance com a coragem dos incautos ou com a confiança das criaturas felizes?

Não foi o caso. Apesar de um ou outro defeito de carpintaria literária, lê-se com interesse o romance "Fim", histórias de figuras sem qualidades da zona sul carioca, que viveram maduras os anos 1970, de gente que não chegou a ser fracassada por falta de ambição a ser frustrada, de vida profissional ou mental sem sentido, desprezível e desprezada, assim como a vida em família ou com amigos.

Fernanda Torres deixa uma vívida impressão de horror ao contar a vida e o fim desses niilistas por default, apesar de narrar com humor (sombrio) e com a fluência do espírito esculhambativo da conversação carioca dos anos 1960 e 1970, que lembra a voz de jornalistas e intelectuais do Rio, gente que conheceu em casa.

O tom de conversa inteligente reaparece em outra chave na coletânea de textos reunidos agora em "Sete Anos", em que trata de assuntos que vão da escola dos filhos ao mensalão e política, dos protestos de 2013 a memórias divertidas de filmagens, vícios da vida brasileira, ideias sobre teatro --e até dá uma descrição certinha do emprego de curvas normais e estatística em ciências humanas.

Fernanda Torres diz que não vai deixar de ser atriz. Mas pode ser ainda mais escritora. A gente espera curioso o resultado do próximo espetáculo ou capítulo desse malabarismo imodesto.


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