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Marcelo Coelho

O homem da fibra ótica

Estou na fila de um cartório telefônico, vivendo a ilusão da modernidade

Depois de vários colapsos, estou esperando que instalem a fibra óptica da internet aqui em casa. Mas reclamar desse tipo de coisa é cansativo. Não vale usar o espaço do jornal para advogar em causa própria.

Faço, primeiro, alguns elogios.

Como todo mundo, fico nervoso com o "call center", e me confundo teclando opções e mais opções a respeito do serviço "que eu quero solicitar". Mas uma coisa me desarma e tranquiliza.

As atendentes, pelo menos numa empresa, têm o mais maravilhoso sotaque mineiro. Tudo se torna calmo e racional com essa pronúncia. Não há pressa, claro. Nada se processa com a velocidade de que gostaríamos. Mas não há moleza tampouco.

Na escuridão da linha telefônica, imagino a paisagem recolhida e pausada dos cerros verdes, cobertos de neblina e musgo. No ar, cheirando a fogão de lenha e ainda fresco da manhã, suspende-se a esperança ("um momento, por favor"), como os doces balões de junho parados numa tela de Guignard.

Serão todas mineiras as moças da TIM? No próprio nome da companhia, há algo de tímido e diminuto, que evoca as terminações típicas do sotaque regional. Em vez de "Joãozinho", é "Joãozim" que se fala.

Podem também ser mineiras as atendentes da Claro. Penso em quartzos, turmalinas, caxambus. É a limpidez de águas serenas que se cristaliza em fibra óptica.

Não entendo de eletrônica, mas quero acreditar que, em vez de impulsos elétricos, o novo cabeamento virá em forma de luz. Vale esperar, portanto --ao menos pela poesia da coisa.

E se for a Vivo? Também aqui a mineirice do nome diminui a minha belicosidade de paulista. O mineiro é matinal e desperto; se são esquivos os seus modos, isso não é dubiedade, mas cortesia. "Mais um momentim, p'favôh." Há vivacidade, com efeito, mas não açodamento, nesse jeito de omitir as vogais.

Tudo vai dar certo, tenho certeza, ainda que o homem da instalação não chegue. Essas empresas sabem das coisas. Devem ter escolhido Minas de propósito para ser a sede do atendimento geral.

Um segundo elogio. Antigamente, era inútil: o dia e a hora marcada não tinham como ser levados a sério. Muitas vezes fiquei de plantão, sentinela de fuzil em punho, sem sinal do inimigo, muito menos sinal no cabo da TV.

Na verdadeira febre de modificações que acomete a minha vida digital, verifiquei um ganho de pontualidade nesses prestadores de serviço. Há os que, por determinação da empresa, chegam com protetores de pano nos sapatos, como se estivessem entrando numa UTI.

Certo, pois em quase todo apartamento há veias entupidas, estreitamentos coronários, escleroses capazes de inviabilizar o mais moderno wireless. A eletrônica, como a medicina, é ainda uma mecânica.

Luto pela minha sobrevivência digital, enquanto as empresas lutam pela sua. O modelo estatal das telecomunicações não tinha como prosseguir, sem dúvida. O governo perdeu, ao longo de décadas, sua capacidade de investimento.

Mas quando me ligam todo dia propondo novos combos e descontos, confesso que a livre concorrência também é capaz de incomodar um bocado. Acabo me acostumando; antes dizia que nada me interessava, hoje escuto e vou aderindo a todos os planos possíveis. Sou cliente simultâneo de várias marcas; quando uma pifar, tenho outra. Estatizei o meu consumo.

De qualquer modo, o modelo da livre concorrência continua guardando semelhanças com o sistema estatal. Um exemplo. O homem da fibra óptica trabalha para uma empresa terceirizada. Não consigo, entretanto, contratar eu mesmo o homem da fibra óptica.

Tenho de ligar para a TIM, a Vivo ou o que seja, passar por toda a burocracia das teclas, das confirmações, das esperas e dos CPFs, para que de lá, das profundezas de Minas, determinem ao homem terceirizado da fibra óptica que passe no meu endereço. Ele não chega; sua Kombi parou entre o Tucuruvi e a Anhaia Melo.

A quem reclamo? À central de tudo, que me conduzirá aos corredores e subdivisões dos que querem novos serviços ou interromper os que já tinham; dos que querem falar sobre a TV, ou o celular, ou o fixo, ou sobre o homem da fibra óptica. Não há um centralismo estatal em tudo isso? Estou na fila de uma espécie de cartório telefônico, vivendo a ilusão da modernidade.

Paro por aqui. Tocaram o interfone, que ainda funciona. Deve ser o homem da fibra óptica; ele está chegando.


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