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Os vernisseiros

CHICO FELITTI COLUNISTA DA "SÃOPAULO"

"É um colecionador", diz o dono da galeria apontando para o sujeito vestido com uma camisa de couro de crocodilo e cuja cabeça é cortada ao meio por uma faixa de adesivo preto, imitando tatuagem. Quase: João Índio, 59, é recepcionista do Paço das Artes e coleciona na mente imagens que vê quase diariamente em vernissages.

Índio faz parte de um grupo mais ou menos organizado de cerca de 15 pessoas que frequentam eventos de arte na maioria das noites. "Vou a quatro ou cinco por semana", diz Renata Paccola, 51, poeta (o último livro, "Grilhões de Vidro", foi publicado em 2003) e "vernisseira".

"Faz 20 anos que vou a este tipo de evento, de segunda a quinta", explica ela na abertura da mostra de Rivane Neuenschwander no MAM.

O museu do parque Ibirapuera não exige ingresso para seus rega-bofes e funcionários já conhecem a trupe pelo rosto. A chefia dali nutre alguma simpatia por eles. É recíproca: "Tem espumante aqui, coisa rara hoje em dia", diz Paccola, brindando.

As festas, dizem em consenso, decaem desde os anos 1990. "Tinha banquete na Fiesp, não era coquetel", conta Índio. Mas ainda se fazem boas aberturas: "É quando tem patrocínio de marcas".

Como a estreia da Tag Gallery no centro, há três semanas, que tinha logomarcas de uma cervejaria e de um uísque em seu convite. A bebida era à vontade, uma rara Meca para os "vernisseiros".

"É uma forma de fazer amigos", diz o fotógrafo Wilson Rodrigues, 53, com quem a Folha trombou em cinco vernissages das últimas três semanas. Ele nega que os comes e bebes são o que o motiva a sair.

Já Índio admite: "Sou considerado um boca-livre, se bem que estou de dieta, então mais bebo do que como", diz ele, usando a mão que não está tomada pela taça de champanhe rosé para mostrar a forma física.

Para ser um "vernisseiro", inverte-se a lógica laboral: o "fim de semana" é composto por segunda, terça e quarta, com mais eventos. Sábado é o dia mais morto da semana.

O grupo diz não se comunicar antes de sair, mas acaba indo quase sempre à mesma boca-livre artística, pinçada de guias on-line.

Quem ensina é a artista plástica Ingrid Müller, 70.

Na terça, 16, ela protagonizou uma interação com um artista da Galeria André, nos Jardins. Ia em direção à última cumbuca de sopa de abóbora com roquefort que a garçonete oferecia. A mão do artista Antonio Peticov, que pintou algumas das telas ali expostas, chegava pelo outro lado com velocidade igual. Antes da colisão, Peticov se desculpou e deixou a colega levar a derradeira entrada.

VOCÊ TEM CONVITE?

Dois curadores disseram achá-los "simpáticos". Outros três disseram os tomar por colecionadores. Afirmam que nunca foram barrados.

"Mas tem coisa que não conseguimos, como o jantar da Bienal [pré-estreia só para portadores de convite nominal, como o empresário Abilio Diniz e a ministra Marta Suplicy]. Aliás, você tem convite?", perguntou Müller.

Outra integrante, que se identificou apenas como Cristina (a maioria não quis dar entrevista), liga a relevância das obras com a do coquetel.

"A gente está falando da importância da exposição, é evidente. É um desprestígio servir coisas ruins durante a abertura." Enquanto ela fala, outro homem do grupo, João, se aproxima de Renata (a poeta) e cochicha: "Tem carpaccio". Os dois rumam às telas próximas à porta que garçons usam para entrar no salão.

Sozinho, num canto, Índio diz sobre os "colegas": "Eu os conheço artificialmente". Paccola discorda: "Há uma cumplicidade. A mãe de um morreu e fomos ao velório".

Mas as "inscrições" para "vernisseiros" estão fechadas. "Não vai escrever que dá para entrar sem convite", pede Renata, "ou todo mundo vai vir e não vai sobrar nada".


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