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São Paulo, cidadezinha

Artista plástico Zé Vicente encaixa recortes em brechas e buracos da metrópole, e faz fotos que confundem realidade com ficção

JULIANA GRAGNANI DE SÃO PAULO

Intacto e suculento, um pudim descansa num buraco sujo. Ao lado de embalagens, papéis amassados e outros tipos de lixo, está assentado entre canos numa parede no largo da Batata, zona oeste de São Paulo. "Ficou apetitoso", diz Zé Vicente, responsável pela sobremesa fora de lugar.

Por suas mãos, outros objetos foram parar em cantos inusitados da cidade. Um mergulhador já explorou o fundo do mar entre paralelepípedos, crianças relaxaram num rio cuja nascente era um ralo, senhoras já jogaram pôquer entre garrafas de Coca-Cola num supermercado.

Zé Vicente, 36, é artista plástico, criador do projeto "Pela Rua com Recortes". Daí as imagens surreais: retiradas de livros e revistas, são encaixadas por ele em brechas, buracos e rachaduras encontradas nas ruas e muros de São Paulo.

Depois, são fotografadas. Nessas fotos, a mistura de escalas e dimensões fundem os pequenos objetos ao cotidiano da cidade, misturando realidade e ficção.

Desde maio de 2013, Zé Vicente modifica a paisagem paulistana com as intervenções. Sai para a rua com um recorte na cabeça e caminha até encontrar um lugar que abrigue perfeitamente a imagem. "É um improviso", diz.

CAÇA AO TESOURO

Ele fotografa com o celular --às vezes faz um vídeo--, posta no Instagram, registra também com uma câmera profissional, e sai andando. O recorte fica --e às vezes é levado pelo vento, às vezes é recolhido por um transeunte.

"Uma vez recebi uma mensagem de uma amiga com a foto de um buraco vazio", conta. Era onde havia deixado um recorte --ela fora procurar o local, identificado por ele na postagem que fez no Instagram, mas os personagens não estavam mais lá. "É como se fosse um jogo de caça ao tesouro. Tá escondidinho, tem que procurar bem."

Baixo Ribeiro, fundador da galeria Choque Cultural, diz considerar o trabalho interessante. "As intervenções e instalações urbanas nos ajudam a enxergar a cidade e suas empenas, frestas e cantos de outra maneira --mais imaginativa, crítica e atraente", afirma.

FADINHAS

As precursoras de Zé Vicente foram descobertas em 1920 pelo escritor britânico Arthur Conan Doyle (1859-1930). O criador do detetive Sherlock Holmes publicou um artigo na revista "Strand Magazine" apresentando jovens que haviam visto e fotografado fadas em Cottingley, interior da Inglaterra.

De fato, as imagens que ilustravam o texto mostravam as pequenas criaturas ao redor das primas Elsie Wright e Frances Griffiths. Quando as primeiras fotos foram tiradas, em 1917, Elsie tinha 16 anos e Frances, 9.

Conan Doyle defendia a autenticidade das imagens e das fadas, mas, em 1983, Elsie confessou que as criaturinhas eram, na verdade, recortes pregados com alfinetes em galhos dos jardins. Os desenhos eram copiados de um livro infantil. "Frutos da nossa imaginação", disse Elsie.

Zé Vicente conheceu essa história depois que começou o projeto "Pela Rua com Recortes". "Só o estranhamento me interessa. Em nenhum momento tento fazer com que o recorte pareça real. Até recorto meio toscamente", diz.

SEM QUERER

Para ele, é a foto, que mistura escalas, que dá outro caráter à obra. "Você não sabe mais o que é real, o que é cenário", afirma. Ele pretende publicar um livro com as imagens, mas ainda não tem planos concretos.

No portfólio do artista, que ilustra a coluna quinzenal de Denise Fraga na revista "sãopaulo", também estão colagens digitais e manuais, em larga escala e nas ruas.

Em "Vi Teu Nome Num Peixe", projeto realizado com a artista Manuela Eichner, 30, pequenos recortes foram ampliados e estampados pela cidade. Outra obra é o estêncil com a frase "Dois mil e crazy pra dois mil e catarse".

Ele compara expor em uma galeria e deixar os objetos na rua: "É como ir visitar alguém ou encontrá-lo sem querer num canto da cidade".


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