Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Estranhos prazeres

David Cronenberg estreia na literatura com romance à la Cronenberg, bizarro, violento e depravado

RODOLFO LUCENA DE SÃO PAULO

Uma autocanibal minimalista que come naquinhos de si mesma, um sujeito cujo pênis se ergue dobrado num ângulo de quase 90 graus, um casal de filósofos anticonsumismo que se dedica a transar com seus orientandos de quaisquer sexos, uma dupla de jornalistas fissurados em tecnologia --eis alguns dos ingredientes do primeiro romance do cineasta canadense David Cronenberg, 71.

Quem vê o senhor de óculos e cabelos prateados talvez não imagine que tão pacata figura possa produzir personagens tão depravados e virulentos. De fato, sua vida pessoal nem de longe lembra a de seus filmes e livro --na tarde em que atendeu a Folha via internet, por exemplo, seria anfitrião do aniversário de uma de suas netas.

O carinhoso vovô é a mesma figura que, em meados dos anos 1970, se proclamou o Barão do Sangue. E que, nas décadas que se seguiram, realizou filmes em que cabeças explodem, corpos desfigurados são explorados sexualmente e a violência impera.

É o que também acontece em "Consumidos", lançado em mais de 20 países. "Crime saboroso com filósofos franceses envolvendo assassinato sexual, homicídio ou suicídio, canibalismo e por aí vai" --assim a heroína da história resume o caso que vai investigar para uma possível reportagem.

Do outro lado, seu namorado, também jornalista e, como ela, doidão por tecnologia: o livro é um desfile de marcas famosas na internet e fora dela, o que permitiria que a história fosse definida como "tecnothriller ostentação".

-

Folha - Depois do sucesso como cineasta, por que o senhor resolveu escrever um livro?
David Cronenberg - Há oito anos, fui procurado por uma executiva da [editora] Penguin Books: "Você já pensou em escrever um livro?". E eu respondi: "Apenas pelos últimos 50 anos...". Sempre pensei que seria um romancista. Quando jovem, escrevi contos, mas, de alguma forma, fui sequestrado pelo cinema.
Na juventude, quando tentei escrever um romance, me senti influenciado por escritores como Nabokov ou mesmo William Burroughs. Sentia que estava fazendo uma espécie de pastiche, então nunca pensei seriamente até ouvir aquela sugestão.
Foi uma experiência muito interessante. É muito diferente de fazer um filme, como imaginei que seria.

Quais as grandes diferenças?
Escrever roteiros de cinema é uma forma muito estranha de escrita, porque a prosa não significa nada. A única coisa que acaba chegando à tela são os diálogos. Não fica bem se você tenta escrever de forma criativa, com conexões linguísticas e filosóficas.
Para mim, escrever um romance é muito mais semelhante a dirigir um filme do que a escrever um roteiro, porque eu defino os atores, acerto a luz, as roupas que os personagens usam.
Escrever um romance é muito mais íntimo do que fazer um filme. Mesmo um mau escritor consegue dar uma ideia do que um personagem está pensando, enquanto um cineasta brilhante não pode dar uma ideia do que o personagem está pensando, a não ser que ele fale.

Quanto tempo o senhor levou para escrever "Consumidos"?
Tudo começou com aquela ligação da Penguin Books, há oito anos. Nesse período, fiz quatro filmes. Não parei para escrever. Às vezes voltava para o texto depois de um ano sem ter nem sequer dado uma olhada nele. Foi um jeito muito estranho de escrever.

O senhor levou para o livro o seu estilo de cinema, com muita violência, sexo, sangue, corpos partidos...
Sim, claro. Mas há coisas que você trata na escrita, as metáforas, as conexões filosóficas, que são diferentes do que jamais eu poderia fazer no cinema. Mas, claro, continuo a mesma pessoa.

Seu livro parece ser feito para ser transformado em um filme. Planeja fazer isso?
Dediquei-me bastante a tentar tornar os personagens do livro muito realistas. Por isso, mesmo quando eles conversavam, descrevia o jeito com que eles se moviam. É algo que faço quando dirijo atores. É por isso que você tem essa sensação cinematográfica, acho. Mas não tem nada a ver com um roteiro.
No início, pensei: "Claro que eu quero fazer um filme do livro que eu mesmo escrevi". Quantos escritores podem fazer isso? Ou quantos diretores têm essa chance?
Mas então me dei conta de que não queria. Seria tedioso, como fazer um remake de meu próprio trabalho. Acho mais interessante que outro diretor faça.

Quem o senhor gostaria que dirigisse seu filme?
Não sei, há uns dois diretores canadenses para quem mandei uma mensagem: "Eu não vou fazer um filme com isso, talvez você queira fazer". Vamos ver...


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página