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Crítica Romance

Desnível entre narradores impõe limites a obra

Troca de cartas de casal que perdeu o filho é o mote de "Fim de Tarde com Leões", supostamente escrito a quatro mãos

LUIZ BRAS ESPECIAL PARA A FOLHA

As cartas de Pedro são mais interessantes, mas nem isso é garantia de que o livro tenha, de fato, dois autores

Cartas são um ótimo veículo para narradores dissimulados, pouco confiáveis.

O que há de melhor no romance epistolar de Paula Fontenelle e P.W. Guzman é o jogo de máscaras. Pena que este não tenha sido levado às últimas consequências.

Em "Fim de Tarde com Leões", os personagens mais interessantes guardam segredos. Além disso, mesmo a informação editorial de que o romance foi escrito a quatro mãos pode ser falsa.

Os protagonistas, Lúcia e Pedro, foram casados durante 15 anos. Após a morte do filho num acidente de carro, separaram-se e passaram anos sem se comunicar.

Quem toma a iniciativa de quebrar o silêncio é Lúcia, que envia uma carta ao ex-marido. A partir daí, tem início uma correspondência que durará 12 meses.

Lúcia é uma talentosa fotógrafa de moda, com a rotina fraturada por abalos emocionais. Pedro é um ex-professor universitário, agora envolvido em misteriosos negócios na África.

Numa nota de agradecimento, a jornalista recifense Paula Fontenelle explica que "Fim de Tarde com Leões" foi escrito quase em segredo. A estratégia foi simples: sem planejamento, investindo no improviso, Paula redigiu as cartas de Lúcia, enquanto Guzman se encarregou das respostas de Pedro.

MISTÉRIO

No prefácio, a autora informa que P.W. Guzman é o pseudônimo de um homem de difícil acesso, que não quer aparecer. Alguém tão enigmático quanto o personagem sob sua guarda.

O fato é que entre os protagonistas há um desnível de linguagem e complexidade. As cartas de Pedro são mais interessantes, mas nem isso é garantia de que o livro tenha, de fato, dois autores.

É certo que uma genuína farsa literária seria no mínimo uma bem-vinda quebra de expectativa.

O sentimentalismo de Lúcia pesa e impede o romance de ganhar altura. Suas carências e digressões provocam mais antipatia do que empatia. Já as peripécias e muitas máscaras de Pedro ampliam o número de camadas do personagem e da trama.

O sofrimento de Lúcia com a perda não comove tanto. Falta-lhe a dramaticidade poética de, por exemplo, "Fora do Tempo", de David Grossman, também sobre a perda.

De todo modo, Pedro é mais interessante do que Lúcia não por sofrer mais com a morte do filho, mas por ter mais camadas de identidade.

Tivessem os autores investido tudo na farsa e no jogo "pirandelliano" de "quem é quem", o resultado teria sido muito mais surpreendente.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).


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