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Muito barulho por algo

Em seu longa de estreia, "O Som ao Redor", o pernambucano Kleber Mendonça Filho arrebata prêmios em mostras do país e no exterior

Leo Caldas/Folhapress
O diretor Kleber Mendonça Filho, em Recife
O diretor Kleber Mendonça Filho, em Recife
GUSTAVO FIORATTI ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Com um saquinho de açúcar entre os dedos, em um café de Recife, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, 44, explica como sua carreira de crítico de cinema o levou à exaustão.

"Eu virei uma máquina de dar opinião. Tinha que escrever sobre esse sachê de açúcar, por exemplo, mil palavras, ou quarenta linhas; só que não tinha nada para falar sobre o sachê de açúcar."

Mais do que o cansaço, o que o incentivou a aposentar 12 anos de carreira, muitos deles cumpridos no pernambucano "Jornal do Commercio", foi a vontade de partir para o outro lado da história.

Devagar, Kleber investiu na carreira de cineasta. Na transição de um time para o outro, fez um meio de campo: dirigiu quatro curtas, o primeiro, "A Menina do Algodão", lançado em 2002.

O salto definitivo foi dado em 2010, quando passou a se dedicar em tempo integral ao projeto de um longa orçado em R$ 1,8 milhão. A investida resultou em "O Som ao Redor" -que entra em cartaz na sexta- e em uma bênção surpreendente do público e da crítica especializada.

Com um olhar para a crônica cinematográfica, um caldo espesso de realismo social e uma visão abissal sobre a violência em Recife, "O Som ao Redor" rendeu sessões lotadas em mostras nacionais e internacionais, além de um punhado de prêmios.

O filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, e ganhou o Fipresci. Foi premiado no Festival do Rio, na Mostra Internacional de São Paulo e no Festival de Gramado.

Não é sobre violência exatamente que o filme discorre. É mais sobre a expectativa da violência, diluída por lares e pelas ruas de Recife. "Eu nunca fui agredido no Brasil, nunca fui assaltado, mas estou sempre achando que isso pode acontecer", explica.

O diretor cita o caso de uma amiga que foi estuprada, de outros que "congelaram no meio de um tiroteio". Sentir-se na iminência do perigo, prossegue ele, norteia a criação da atmosfera de "O Som ao Redor", dando inclusive significado ao título.

O cuidado com o desenho de áudio também sustenta a qualidade do filme. Sons distantes da cidade reverberam dentro de casas. Há ruídos da construção civil, há a música de um caminhão de gás.

SE ESTA RUA...

O longa foi rodado na rua em que Kleber mora há 20 anos, no bairro de Boa Viagem. As locações servem de cenário para histórias entrecruzadas numa vizinhança de classe média, e a tensão se estabelece com a chegada de dois homens que se oferecem para fazer a vigilância da rua.

Kleber diz que não tem interesse em retomar a violência rasgada de "Amarelo Manga", do também pernambucano Cláudio Assis, ou de "Tropa de Elite", de José Padilha. "No cinema, para congelar o sangue de alguém, você não precisa puxar uma arma, você pode fazer isso com palavras", argumenta.

Mas há similaridades entre os trabalhos, ou um encontro de raízes, aponta Assis, amigo de Kleber. "Como nos meus filmes, ele mostra um povo marcado pela cultura do coronelismo", analisa. "Só que Kleber leva isso para um espaço urbano", conclui.

Para Gustavo Jahn, intérprete de um personagem central do filme, Kleber "é um sujeito que observa seu entorno com afeto".

O diretor mostrou-se aberto a sugestões de sua equipe. "Em tom de brincadeira, nos ensaios, ele perguntava: 'só eu gosto do texto que escrevi?'", conta Jahn, referindo-se aos improvisos propostos por todo o elenco, majoritariamente composto por intérpretes de Recife.

"Os atores se apropriavam do texto, falavam cada um a sua maneira", explica o ator. A metodologia conferiu ao filme contornos naturalistas, com a inserção de flashes oníricos, como na cena de um banho de cachoeira: a água, de repente, vira sangue.


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