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Crítica romance

Autor mescla com maestria sonhos e existência em livro

"O Sonâmbulo Amador", de José Luiz Passos, conta história em hospício

ALFREDO MONTE ESPECIAL PARA A FOLHA

Jurandir, em "O Sonâmbulo Amador", narra sua "existência sonâmbula" num sanatório na Olinda dos anos 1960.

Difícil estabelecer a linha fronteiriça entre práticas cotidianas, sonhos, reminiscências e anedotas pessoais (que compartilha com outros internos e um enfermeiro) e um vago sentido de missão heroica, a fim de resolver uma questão trabalhista em favor de um operário acidentado.

Os trâmites do litígio levaram o funcionário maduro enfronhado na burocracia a "pirar", incendiando um veículo da firma.

Mas o dicionário não apenas define o sonâmbulo como aquele que está no limbo entre sono e vigília (no caso de Jurandir, a permeação entre várias esferas faz com que não possamos confiar de todo no seu relato, pois ele desfaz e refaz a costura dos fatos).

Lá consta também: "diz-se de pessoa que age automaticamente". Atrelado à rotina de papelada e pastas, com tentativas frustrantes de proximidade com relação aos outros, abafando impulsos, utilizando no seu discurso elementos de coesão do tipo "a verdade é que", "o fato é que", não é antes essa a porção "sonâmbula" da sua existência?

Ele mesmo nos dá essa pista: "...dessa cura que custava a vir e que, quando viesse, me livraria de quê?". Ao se livrar da medicação pesada, se pega "querendo o sal e o humor das coisas".

A verdade é que, para usar o recurso verbal caro ao Jurandir que não se livra, mesmo no tratamento, de relatórios e balanços, "O Sonâmbulo Amador" desponta como um dos romances mais bem urdidos dos últimos anos.

Isso é devido à maestria de José Luiz Passos (na sua segunda experiência no gênero) ao apresentar tudo junto, as duas existências "sonâmbulas" do seu narrador, de forma que cada uma delas coloque a outra em xeque (ele consegue, inclusive, inserir convincentemente vários segmentos de sonhos, feito dificílimo).

O conjunto dos quatro "cadernos" coloca em suspeita até o primeiro, mais linear, com sua atmosfera interiorana e sufocante.

Pois esse personagem que se apresenta para nós como continuador de certa linha muito presente na nossa tradição literária regionalista (o homem de imaginação sufocado pela insignificância da posição social) acaba se revelando tão matreiro quanto impotente, esquivo à definição.

A única certeza é que se trata de uma "voz" narrativa de dicção inconfundível, peculiar ao extremo, nos percursos em espiral dos seus "sonambulismos".

Eu até arriscaria a afirmar que se trata de uma obra-prima. Ainda é prematuro, reconheço, contudo fica a sugestão pairando no ar.

ALFREDO MONTE é doutor em teoria literária, professor e criador do blog MONTE DE LEITURAS (armonte.wordpress.com)

O SONÂMBULO AMADOR
AUTOR José Luiz Passos
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 39,90 (248 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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