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'Rezo para que o Bolshoi continue um ambiente de arte, e não do crime'

Primeira bailarina brasileira a integrar o prestigiado balé russo comenta o ataque contra o diretor da companhia

MARIANA GOMES ESPECIAL PARA A FOLHA

Vidro na sapatilha, tirar colchete de vestido antes do espetáculo, agulha no arranjo de cabelo, tudo isso eu sei que acontece, mesmo parecendo exagero.

Teatro é um meio cruel. Nossa carreira é curta, bailarinos são muitos, e o pior é ambição. Já vi bailarinos que se drogam, se alcoolizam. Há os que foram parar em manicômios durante turnês.

Já vi muita coisa e já perdoei muitos casos deste tipo, mas, dessa vez, não. Não entra na minha cabeça tamanha ambição. Esse exagero é o reflexo do que vem acontecendo com os artistas ali dentro.

Uma tragédia: Sergei Filin nos últimos dias não enxerga e reage somente à luz, claro e escuro -foi a última notícia que tive dele.

Quando cheguei ao teatro Bolshoi, sete anos atrás, Sergei Filin ainda era o primeiro bailarino. Lembro quando dancei o balé "Cinderella" e ele descia a escada do segundo ato no baile sentado no corrimão, escorregando, e a plateia gritava: "Oooooh!".

Realmente, técnica, beleza, carisma de causar espanto e, obviamente, inveja.

Filin virou diretor do Bolshoi em 2011, no momento em que o teatro explodiu, com transmissão on-line e em cinemas, grandes turnês e sucesso.

No meu primeiro ano de Bolshoi, ainda sem falar muitas palavras em russo, lembro que recebi um comunicado do teatro informando que eu deveria pagar uma taxa equivalente a US$ 200 para me registrar na cidade.

Eu, estagiária na época, sem salário, chorava no restaurante do teatro, quando Filin, aquele príncipe, chegou até mim e perguntou o que havia acontecido.

Pela primeira vez alguém tinha tentado falar inglês comigo. Eu contei a situação e ele me disse que resolveria.

No dia seguinte, fui chamada ao caixa do Bolshoi, recebi o valor e assinei um recibo de "ajuda de custo".

Só o que posso fazer é rezar por ele e pelos artistas que amam sua profissão.

Rezo para que esse templo Bolshoi continue sendo um ambiente de paz, e não da concorrência, de arte, e não do crime. Os espetáculos continuam e nunca vão parar, pois o dever do artista é acalmar e encantar o público, mesmo que por dentro do sorriso esteja mergulhado em dores, dúvidas e medos.

MARIANA GOMES, 24, foi a primeira bailarina brasileira a integrar o balé russo Bolshoi.

Leia a íntegra em

folha.com/no1218409


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