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Crítica romance

Fase menor de Dostoievski guarda prodígios de invenção

Livros escritos antes dos "anos milagrosos" do autor russo ganham nova tradução

MANUEL DA COSTA PINTO COLUNISTA DA FOLHA

A obra madura de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), que começa a partir da novela "Memórias do Subsolo" (1864), é tão poderosa que seus livros anteriores parecem prelúdios aos "anos milagrosos" -expressão do biógrafo Joseph Frank para o período em que o romancista russo escreve "Crime e Castigo" (1866), entre outros.

Mas Dostoiévski é como Bach: além de alcançar extremos de beatitude e compaixão, divertimento e meditação, até mesmo suas obras "menores" guardam prodígios de invenção.

"A aldeia de Stepántchikovo e seus Habitantes", "O Sonho do Titio" e "Sonhos de Petersburgo em Verso e Prosa" (estes dois reunidos agora em "Dois Sonhos") são livros cronologicamente intermediários, entre as obras que o lançaram literariamente ("Gente Pobre", de 1846) e a fase tardia.

Os dois primeiros, de 1859, foram escritos no exílio siberiano, depois que Dostoiévski cumpriu pena de trabalhos forçados por envolvimento com grupos subversivos na Rússia czarista. "Sonhos de Petersburgo..." data de 1861, quando o escritor já havia retornado à cidade.

"A Aldeia..." e "O Sonho do Titio" são narrativas contíguas. O titio do título é um príncipe caquético, que vai parar na fictícia Mordássov, onde se torna pivô de uma farsa: a grande dama da cidade quer casar a filha com um bom partido, mas esta só aceita a manobra quando percebe que o matrimônio lhe permitirá amparar o amado secreto, um jovem tuberculoso.

Quase um teatro em prosa, a novela tem sua maior personagem na matriarca que usa de sofismas e manobras para convencer a filha e, ao mesmo tempo, posar de espírito nobre perante a sociedade.

Pois um dos traços marcantes do livro é a tensão entre retórica e intenção que eclode nas "cenas de conclave", expressão de Leonid Grossman para as passagens dostoievskianas em que uma quantidade enorme de personagens se reúne num mesmo espaço, desencadeando tumultos de humilhação.

O RELES E O SUBLIME

Tais cenas aparecem amplificadas em "A Aldeia...". Em meio a uma miríade de personagens, o embate principal se dá entre o vil Fomá Fomitch Opínski (cujo nome se tornou sinônimo de parasitismo na Rússia) e o coronel Rostániev -cujo estoicismo, perdoando as ofensas do tirânico criado, antecipa a bondade do príncipe de "O Idiota".

Por trás dessa cômica tipologia, está uma percepção da dinâmica do ressentimento que vai muito além da hipocrisia social ou das mazelas econômicas.

Em Dostoiévski, a cobiça guarda um desejo de reconhecimento espiritual, de salvação da vala comum, que aproxima o reles do sublime.

Por isso, os esquetes urbanos de "Sonhos de Petersburgo..." são, em larga medida, paródia e sátira das afetações dos escritores de seu tempo, incapazes de perceber essa dinâmica, que aqui aparece de forma fantasmagórica.

Isso se dá no contraste entre os sonhos do protagonista e a mesquinharia da vida objetiva, mas na obra madura de Dostoiévski vai atingir sua síntese numa espécie de realismo metafísico.

DOIS SONHOS
AUTOR Fiódor Dostoiévski
EDITORA 34
TRADUÇÃO Paulo Bezerra
QUANTO R$ 44 (240 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

A ALDEIA DE STEPÁNTCHIKOVO E SEUS HABITANTES
TRADUÇÃO Lucas Simone
QUANTO R$ 49 (352 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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