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Teatro do espelho

Ícone do teatro experimental de Nova York, The Wooster Group remonta em São Paulo espetáculo filmado de "Hamlet"

GUSTAVO FIORATTI DE SÃO PAULO

As primeiras cenas da tragédia "Hamlet", de William Shakespeare, são marcadas pelo aparecimento de um fantasma. Morto por seu irmão, o pai do príncipe da Dinamarca retorna para revelar algo de podre no reino agora comandado por um assassino.

Na montagem que o The Wooster Group traz a São Paulo a partir do dia 14, não há só este fantasma em cena. Em sincronia com a peça, a exibição em vídeo de uma montagem estrelada pelo britânico Richard Burton (1925-1984) em 1964 fratura o espetáculo cronologicamente. Mortos e vivos atuam (e dialogam) sobre o mesmo palco.

Além de "Hamlet", a companhia aporta no Sesc Pompeia com sua versão para "Vieux Carré", de Tennessee Williams (1911-1983). Paralelamente às peças, há uma instalação de vídeos e uma mostra de filmes que exibem antigas performances do grupo.

FANTASMAS

A remixagem das cenas de "Hamlet", ao vivo e em vídeo, se consolida com ajuda de um telão. Essa composição de suportes é uma marca do grupo, expoente do circuito experimental de Nova York desde os anos 1970, com sede em um pequeno teatro do Soho, no centro da cidade.

A pesquisa parte de um objetivo: reproduzir, simultaneamente e com aproximação quase fiel, as interpretações da montagem protagonizada por Burton. É um caminho árduo, que não chega a ser concluído em absoluto.

Em entrevista à Folha, a diretora do Wooster, Elizabeth LeCompte, 68, conta que, quando começou a investigar a criação de John Gielgud (diretor da antiga montagem), algumas tentativas de mimese não funcionaram. "Acabei fazendo mudanças, encurtando trechos, por exemplo. No fim, achei que estivemos basicamente em um diálogo com o Gielgud", explica.

Scott Shepherd, ator do Wooster responsável por reproduzir o gestual de Burton, também investe em uma reconfiguração da interpretação original. "Ele preferiu voltar aos versos que Burton havia transformado em formas livres", diz LeCompte.

O mesmo aconteceu com outros intérpretes: "Conforme trabalhávamos, todos se envolveram em uma espécie de conversa com os personagens da montagem antiga", diz a diretora. "Para nós, são como fantasmas", conclui.

Com "Hamlet", o Wooster dá prosseguimento a uma pesquisa iniciada desde a fundação do grupo sobre a relação entre memória e efemeridade nas artes cênicas. Esse recorte ganhou contornos nítidos quando o grupo reencenou "As Três Irmãs" em 2003, quase uma década após sua primeira montagem para o clássico de Tchékhov.

No período entre uma encenação e a outra, o ator Paul Schmidt morreu. Mas, no início da segunda montagem, para surpresa da plateia, uma atriz anunciava seu nome e cumprimentava-o, com um "Hi, Paul". Em uma tela de TV, ele respondia: "Hi".

TEATRO X CINEMA

A tentativa do Wooster Group de copiar o "Hamlet" com Burton resulta também em debate sobre o trajeto da dramaturgia entre dois campos: o teatro e o cinema.

A performance de Burton foi filmada em 17 ângulos diferentes, e a obra marca o início de sua carreira no cinema. "Considero esse 'Hamlet' uma transição para uma forma moderna de apresentar uma peça", conclui LeCompte, que assistiu à montagem aos "18 ou 19 anos".

O debate sobre memória e efemeridade no teatro se repete em "Vieux Carré", fundamentalmente porque representa um retorno de Tennessee à juventude. A peça foi concluída no fim da vida do autor, mas resgata os personagens e a atmosfera de uma pensão em Nova Orleans onde ele se hospedou aos 28 anos.

Peças que estiveram recentemente em cartaz em São Paulo se dedicaram a pesquisa similar. "Ensaio", de Leonardo Medeiros -que copiava cenas de Hitchcock, Antonioni e outros diretores-, e "Salta!", do Coletivo Teatro Dodecafônico, sobre obra da cineasta argentina Lucrécia Martel, são exemplos de uma safra que investiga a relação entre teatro e cinema.


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