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Opinião

Boneca sem cabeça foi a causa da censura a 'Edifício London'

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO ESPECIAL PARA A FOLHA

A Justiça proibiu, por meio de uma liminar, a estreia paulistana do espetáculo "Edifício London", que ocorreria no dia 2 de março, à meia-noite, no Espaço dos Satyros 1, na praça Roosevelt.

A peça do dramaturgo Lucas Arantes, dirigida por Fabrício Castro, foi inspirada no livro homônimo. A ação foi movida pelos advogados de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni. Para Ana Carolina, a peça seria ofensiva ao direito à personalidade.

Em 2008, Isabella, então com cinco anos, foi jogada pela janela do sexto andar de um prédio, o condomínio London, onde moravam o pai e a madrasta. Ambos foram condenados por homicídio.

Provavelmente não haveria liminar contra a peça se tudo fosse vendido como "moralmente educativo". Na época do crime, foram tranquilamente veiculadas na TV cenas da reconstrução em que uma boneca foi atirada pela janela.

Por que foi silenciado um espetáculo que não representa, mas apenas reflete sobre o fato? Sequer presenciaram qualquer apresentação da peça.

O que censuraram foi a metáfora da boneca em que falta a cabeça. Não cuidam de bonecas fingindo serem pessoas, mas vetam a representação do assassinato de um símbolo. O senso comum age preventivamente quanto há um ataque ao comércio simbólico da personalidade.

Num teatro geralmente se faz ficção dirigida ao inconsciente do público. Um texto teatral não é a realidade, mas o "mainstream" não consegue diferir uma coisa da outra.

Ironicamente, a ação judicial gerou uma performance dramaturgicamente impecável: um espetáculo "em segredo de Justiça".

A última coisa que aquela boneca sem cabeça representa é a menina assassinada. Entretanto, aniquila simbolicamente o consumismo acéfalo de alcance popular.

Atinge gente enfeitiçada pelo misticismo empregatício representado por seguranças e eletrodomésticos, que não admite uma linguagem que sintetize seu modo de vida.

Os símbolos com maior poder de significação histórica acabam desprezados. Vão além da falaciosa contenda "arte" X "comércio".

A sombra do pequeno burguês não tolera nem gramática nem história. Patrocina a censura da aparência, denunciada por Pasolini. Ele pagou com a vida. Nós, com o silêncio autoimposto.

MAURICIO PARONI DE CASTRO é diretor teatral.

Acadêmicos e jurista comentam o caso

folha.com/no1245506


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