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Obra investiga vida em favela de Mumbai

Premiada jornalista americana Katherine Boo acompanha rotina de pobreza e corrupção com riqueza de detalhes

Autora conviveu três anos com personagens como o garoto Abdul, falsamente acusado de causar uma morte

RAQUEL COZER COLUNISTA DA FOLHA

Lendo "Em Busca de um Final Feliz", é fácil esquecer que não se trata de ficção.

A descrição que a americana Katherine Boo faz de cenas, gestos, diálogos e sentimentos de seus retratados de uma favela em Mumbai, na Índia, é tão detalhada -e o desenrolar da história tão impressionante- que o leitor pode se pegar confundindo a reportagem com um romance.

O livro resulta de mais de três anos de intensa convivência com os 3.000 moradores de Annawadi, favela criada em 1991 perto do aeroporto internacional de Mumbai, num "pedaço de terra encharcado e cheio de cobras".

O que Boo buscava eram personagens comuns, mas o tempo se encarrega de torná-los mirabolantes.

O principal deles, o garoto Abdul Husain, que sustenta sua família de 11 pessoas vendendo lixo, acaba acusado injustamente de atear fogo numa vizinha deficiente. Há ainda, entre outros, uma mãe de família que dorme com políticos para ganhar status como "senhoria" da favela.

Para que não pairem dúvidas sobre o que relata, a autora, vencedora de um prêmio Pulitzer (por outro trabalho, sobre casas para pessoas com deficiência mental), esclarece seu "modus operandi" ao final do livro.

Boo tomou notas, tirou fotografias, registrou tudo em vídeo e repetiu entrevistas à exaustão para confirmar minúcias, ao ponto de Abdul lhe perguntar: "Você está ficando retardada, Katherine? Já lhe falei isso três vezes".

O volume chega às livrarias nos próximos dias pela Novo Conceito, editora de best-sellers populares que acabou levando este que foi um dos livros mais elogiados dos EUA em 2012, vencedor do prestigioso National Book Award.

Sai com boa tradução de Maria Angela Amorim de Paschoal, apesar do infeliz título "Em Busca de um Final Feliz", que lhe dá um impensável ar de autoajuda. Não que fosse fácil verter o título original, "Behind the Beautiful Forevers" (literalmente, por trás dos belos para sempre), referência a cartazes da L'Oreal à frente da favela, com os dizeres "Beautiful forever. Forever Beautiful".

LIXO

A vida em Annawadi -que não é a maior nem a mais pobre de Mumbai, como escreve o jornalista Zeca Camargo no prefácio- foi a maneira encontrada por Boo para descobrir como (ou se) o crescimento econômico da Índia afetou a desigualdade social.

"Não buscava casos sensacionais, e sim reveladores. Imaginei que a história de um lugar em transição estaria em sua pilha de lixo. Uma espécie de raio-X: você podia ver sinais da prosperidade com as garrafas vazias de vinho chegando à pilha", explica Boo por telefone à Folha.

Annawadi é um dos lugares onde menos há sinais de uma sociedade em transição, mas eles até são perceptíveis. "Se você pergunta a uma criança de sete, oito anos, a qual casta ela pertence, ela nem saberá do que você está falando", diz a autora, sobre o histórico sistema de segregação social indiano, forte ainda no interior do país.

Como disse o indiano Suketu Mehta (autor de "Bombaim, Cidade Máxima") em entrevista recente à Folha, Mumbai tem uma característica inusitada: 60% da população vive em favelas e boa parte pertence à classe média.

O cenário que Boo escolheu é menos privilegiado que isso. Annawadi fica na periferia, sem hospitais nem escolas que funcionem, e é mesmo o lixo a maior fonte de renda de seus habitantes.

Eles são também reféns de uma corrupção que se alastra por todos os níveis de autoridade, da escola de fachada ao sistema judiciário.

O julgamento pelo qual Abdul passa ao longo da narrativa é um dos exemplos mais dramáticos. Boo reuniu depoimentos o suficiente para se certificar da inocência do menino, mas nunca interferiu no processo. "No curso inteiro do julgamento, que se estendeu por mais de um ano, o próprio Abdul nunca foi ouvido", ela conta.

Boo toma o cuidado de não se colocar na história, embora tenha testemunhado ou participado de boa parte dela. Houve situações, como quando viu uma mulher ser arrastada por bêbados e achou que acabaria em estupro, que interferiu. "Gritei como uma louca." O aparte ficou de fora do texto.


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