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Crítica / Poesia

Margaret Atwood tem destreza nos versos, mas publicação peca por não ser bilíngue

FELIPE FORTUNA ESPECIAL PARA A FOLHA

Até quando um livro de poemas estrangeiros traduzidos para o português não merecerá uma edição bilíngue?

"A Porta", reunião de poemas de Margaret Atwood, lançada em 2007, traz prejuízos para o trabalho da tradutora, Adriana Lisboa, que não poderá ser perfeitamente avaliado pelo leitor de poesia.

Perde também o leitor de Margaret Atwood, escritora comumente associada aos seus romances, que pela primeira vez tem um livro de poemas publicado no Brasil.

A solução para corrigir o problema é adquirir o mesmo livro no original.

Talvez o leitor de poesia se interesse em saber que um poema como "Coruja e Gato, Alguns Anos Mais Tarde" contém versos como "Whacking the heads off dandelions,/ or bats or bureaucrats,/ smashing car windows" ("Decepar cabeças de dentes-de-leão, / morcegos ou burocratas, / esmagar as janelas dos carros"), onde se percebe alguma perda de ritmo e de aliteração.

No mesmo poema, Atwood escreve "this crowd (...) has finally admitted / to itself it doesn't give / much of a fart for art" ("esta multidão (...) finalmente admitiu / para si mesma que não dá / a mínima para a arte"), o que tampouco encontrou a melhor solução em português.

TOM COLOQUIAL E ÁGIL

Apesar desses percalços, afinal imperceptíveis para quem lê a edição brasileira, Adriana Lisboa frequentemente acerta na transposição do tom coloquial e ágil dos versos da poeta canadense.

"A Porta" tem rígida e mesmo equilibrada estrutura: em cinco partes, o livro muito se assemelha a uma coleção de crônicas, que tratam da infância, da literatura, das guerras, da morte, e trazem comentários morais sobre fatos da existência.

O verso livre de Atwood quase nunca tende para o hermetismo: ao contrário, vê-se trabalhado para que atinja um alto grau de limpidez e objetividade que pode, em alguns momentos, anunciar um tom de informalidade e de oralidade, no qual intervêm perguntas e diálogos.

A morte de um gato faz a poeta escrever "Blackie na Antártida", comovido testemunho do convívio com os animais de estimação, o que logo se expande para uma lição sobre a mortalidade de cada um, humanos e animais.

Pode ser uma fórmula fácil, mas existe destreza na linguagem de Atwood.

A ironia nos poemas de "A Porta" é constante, bem como uma atitude melancólica diante de tudo o que passa pela vida com suas mensagens permanentes ou não.

Ela é exímia observadora, não necessariamente preocupada com a construção da linguagem de um poema. O foco intenso na realidade ultrapassa o cuidado com a estrutura intrínseca do que escreve. Ainda assim, há surpresas dispersas em muitos dos poemas.

"A Porta", em que pese sua intencional unidade e coerência estrutural, exibe poemas de fatura por vezes muito irregular.

Mas talvez a irregularidade seja mesmo a metáfora de uma vida repleta de momentos simples que podem ser transmitidos por poemas igualmente simples.

Nessas crônicas da singela subjetividade, Atwood é poeta bem-sucedida.


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