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Crítica - Poesia

"A Mesma Coisa" traz reflexão importante, mas pouco densa

Felipe Fortuna trata a falta de originalidade com discurso pouco original

LUIS DOLHNIKOFF ESPECIAL PARA A FOLHA

Quinto volume de poemas de Felipe Fortuna, "A Mesma Coisa" é um livro de reflexão sobre a poesia contemporânea. Pois Fortuna não se inclui entre os poetas brasileiros satisfeitos com a situação atual da poesia, em que à pequena visibilidade cultural se soma certa desatenção do púbico.

Tal reflexão é, no entanto, em termos propriamente poéticos, um tanto questionável no primeiro poema.

Seu título (o mesmo do livro) sugere um poderoso mote, um motor verbal, lembrando o paradoxal descontrole mecânico e maquinal do filme "Tempos Modernos" (1936), de Charles Chaplin.

O poema se deflagra e se mantém por si, o que levaria a alguma espécie de realização formal e semântica do que traz em potência -a mesmice, a coisificação, a mesmificação resgatadas e desconstruídas, por meio da linguagem, no próprio poema.

Um poema que seria então constituído de certas palavras reiteradas, à la Conrad: o horror, o horror, o horror, não do terrível, mas do banal.

Em todo caso, um poema intitulado "A Mesma Coisa", em tal contexto e no atual estágio da reflexão crítico-poética, não parece pedir ou suportar a prosa versificada de um discurso pouco denso e pouco original sobre a falta de originalidade.

Encontra-se então algo do esperável no primeiro poema no segundo ("O Suicida"): "onde o não se dobrava, o não / se esticava, o não se torcia..." (pág. 61).

Abandonando a prosa versificada do primeiro, neste segundo poema Fortuna adota, diferentemente, o metro fixo, o raro octossílabo, que maneja bem em versos brancos, ou não rimados, resultando numa fluidez contida.

CONTRA A POESIA

E essa contida fluidez da forma se redobra na contida fluidez das imagens, pelas quais um suicidado, monologando apesar de morto, descreve a si mesmo, em tudo parecido com quem morreu, não fosse, afinal, também distinto em tudo.

A mesma coisa? De passagem, com imagens que se pretendem fortes, a fala poético-suicida se desdobra em referências a vários poetas suicidas: "a cabeça da Sylvia Plath / mastiga o gás / engole a luz / da manhã mais simples do mundo".

Então o terceiro poema, "Contra a Poesia", se estica ainda mais a corda do tema da crise poética, retoma, no entanto, o modo do primeiro, readotando a mesma prosa versificada para abordar as mesmas explicitações.

"E como é falso / compor o mundo com tantos ritmos / e suas rimas" (pág. 71). Sim, falso. Porém, a poesia não trata da verdade dos fatos, mas da verdade da forma, ou seja, da coerência ou convergência entre o dito e o modo de dizê-lo. E, ao fazê-lo, acaba, não se sabe bem como, esbarrando fortemente no real.

Um poema contra a poesia, em todo caso, deveria idealmente realizar a poesia e não apenas discursar contra ela; o que, no entanto, não desmerece a reflexão.


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