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Diário de Paris

O MAPA DA CULTURA

Turbilhão nada azul

Mulheres atacam no cinema e no Panthéon

LUCAS NEVES

O turbilhão que traga a jovem Adèle, protagonista do filme "Azul É a Cor Mais Quente", a partir do instante em que cruza o caminho da estudante de belas-artes Emma rompeu as comportas da ficção.

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o longa-metragem de Abdellatif Kechiche estreou na França há duas semanas (no Brasil a previsão é 6/12) sitiado por um redemoinho de controvérsia que fez terra arrasada dos métodos de filmagem do diretor, de sua relação com equipe técnica e atrizes e de sua (in?)gratidão à autora da história em quadrinhos que inspirou o roteiro.

Primeiro foi o sindicato dos trabalhadores do audiovisual, que denunciou "práticas indignas" no set. O pacote incluiria jornadas de trabalho pagas pela metade, planejamento errático e um cardápio sortido de arroubos despóticos por parte de Kechiche.

Dias depois, a escritora Julie Maroh, criadora da HQ que originou o longa, lamentou não ter sido convidada a visitar o set nem a acompanhar a estreia da produção na Croisette. Logo o elenco se somaria à malhação do Judas com testemunhos de uma filmagem "horrível e sofrida" e um diretor "que não sabia o que desejava".

Kechiche revidou, mirando a artilharia na atriz Léa Seydoux (Emma), neta do dono da überprodutora francesa Pathé: "Ela faz parte de um sistema que não quer saber de mim, porque perturbo".

Perturbadores, no fim, são o magnetismo de Adèle Exarchopoulos, 19, e a forma como a câmera devora seus esgares, meios sorrisos e progressivo langor. O cinema engolfou a débâcle midiática.

ÉGALITÉ

O Panthéon, mausoléu de notáveis da República em cuja fachada se lê a inscrição "aos grandes homens, o reconhecimento da pátria", perderá o ranço sexista. O presidente François Hollande recebeu neste mês um relatório sobre a modernização do monumento que traz recomendação expressa: é preciso abrir espaço às mulheres.

Hoje, repousam sob o domo da rua Soufflot 73 vultos do sexo masculino, dentre os quais o escritor Victor Hugo (1802-85) e o filósofo Voltaire (1694-1778). A representação feminina se resume à cientista Marie Curie (1867-1934) e à química Sophie Berthelot (1837-1907).

A par da elaboração do relatório, organizações feministas encetaram nos últimos meses o lobby em torno de figuras como Olympe de Gouges (1748-93), autora da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (pedra fundamental do movimento feminista), e a heroína da Resistência na 2ª Guerra Lucie Aubrac (1912-2007). Mas há também quem faça campanha por Edith Piaf (1915-63) e Simone de Beauvoir (1908-86). Hollande anuncia suas escolhas até o fim do ano.

O FRANCÊS TRANQUILO

Eminência parda de um cubismo em que Pablo Picasso (1881-1973) monopolizava os holofotes, Georges Braque (1882-1963) ganha o proscênio em retrospectiva no Grand Palais, a primeira na França em 40 anos (em cartaz até 6/1).

O percurso de 238 obras contempla a placidez fauvista de sua primeira fase, o estilhaçamento cubista da perspectiva a partir de 1908, o pioneirismo nas colagens, a reconciliação com a cor no pós- 1ª Guerra e os grandes nus figurativos dos anos 1920. Desemboca na simbologia tétrica que assombra sua produção durante a 2ª Guerra e nos pássaros diáfanos que prenunciam sua partida (veja no site www.grandpalais.fr.)

Contrariando o estereótipo do gênio indomável, o artista preconizava "a regra que corrige a emoção", a beleza advinda da supressão, da depuração do método. A descobrir.

ÓPERA DA PÁ

Era para ser uma abertura arrasa-quarteirão, mas o tiro saiu pela culatra. A performance musical "Quarteto de Cordas com Helicópteros", que iniciou a 12ª edição da maratona cultural notívaga Nuit Blanche (inspiradora da Virada Cultural), no último dia 5, mobilizou quatro aeronaves em voo e um intrincado sistema de transmissão que faria chegar à multidão reunida sobre o pont Neuf o fragmento de ópera composto por Karlheinz Stockhausen (1928-2007).

O ruído das hélices obviamente engoliu o som dos instrumentos, a imagem dos músicos se congelou fantasmagoricamente no telão e, para terminar, os helicópteros passaram por sobre as cabeças na estratosfera --frieza de aviação corporativa. O público estrilou.

Afora isso, pulularam instalações sonoras, "site-specifics" e bizarrices como a esfera de gelo a lembrar o pêndulo de Foucault (!). Tudo muito vanguardista, tudo muito sinestésico. Faltou a autoderrisão do palco brega do filhote paulistano.


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