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Os clarões de Catatumbo

Uma expedição à zona do fogo cruzado colombiano

FLÁVIA MARREIRO

RESUMO A Folha visitou a região de Catatumbo, no nordeste da Colômbia, um dos principais focos do conflito armado entre as guerrilhas, entre elas as Farc, e o governo. Dividida pela violência de ambas as partes, a falta de infraestrutura e os altos rendimentos do narcotráfico, a região espelha os entraves ao processo de paz no país.

Em 18 de março de 2011, pouco depois das 5h, Eloína Velázquez passava o "tinto", como chamam o café preto na Colômbia, quando começaram os disparos dos guerrilheiros das Farc contra o posto policial do povoado de Las Mercedes, a metros da sua cozinha.

"Segui coando. O neto saiu correndo, e o velho também, de roupa de baixo", conta a mulher de 66 anos, quase sem mover a cadeira de balanço de fios plásticos coloridos, rádio de pilha no colo sintonizado numa estação católica.

A poucas quadras dali, em frente ao posto policial, uma pilha de sacos de areia serve de trincheira contra os cilindros de ferro carregados de explosivos que os guerrilheiros lançam de tempos em tempos das montanhas próximas.

A barricada no meio do povoado evidenciava, numa terça-feira de novembro, que o conflito seguia, enquanto as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o governo do país negociavam em Havana. Na capital cubana, as duas partes tentam há um ano pôr fim a cinco décadas de enfrentamento, encontro que alguns analistas classificam como o mais promissor de paz nas últimas décadas.

"Para mim, é uma enganação", avalia a dona de casa Eloína, mãe de cinco filhos que passaram pelo Exército. Antes de destruir sua casa, a guerra já havia matado um deles, Elmes, 26, em 2007. Quando em serviço, ele foi vítima de uma granada arremessada por um integrante das Farc. "Desde então não escuto as estações de notícias."

O desdém dela pelas negociações de paz --que se realizam sem um cessar-fogo no terreno, uma novidade na história da Colômbia-- era compartilhado por Gladys, dona de uma pequena loja na praça principal, pelo aposentado Ramiro, 72, ou pelo pedreiro Héctor, 63, moradores com quem a Folha conversou. O trio, que ainda vive perto do posto da polícia, encena todas as noites um ritual insólito: deixa suas casas para dormir no outro lado da cidade, o mais longe possível da mira das Farc.

Ao pôr do sol, a cidade ganhou ares sombrios. Na praça principal e nos quarteirões próximos à polícia, tudo ficou às escuras (os policiais proíbem iluminação para não se expor). A única luz vinha de dentro da igreja --onde a missa não havia terminado--, vigiada de longe por um policial. Na porta do templo, uma mensagem do Evangelho de Lucas chocava por soar não profética, mas cotidiana: "Um dia tudo será destruído".

CATATUMBO Las Mercedes foi a primeira parada de uma viagem de cinco dias que a Folha e uma equipe da TV estatal russa fizeram, a convite do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, pela zona de Catatumbo, nordeste da Colômbia.

Os povoados de Filo El Gringo e San Pablo e a cidade de El Tarra, ruidoso centro comercial da região, completariam o quadro de populações visitadas, no meio do fogo cruzado, na zona que é estratégica para o conflito armado e que provavelmente será um desafio no futuro, caso a paz seja assinada.

Catatumbo quer dizer "luz constante" na língua de um povo indígena da região. Provável referência aos clarões dos relâmpagos frequentes na zona, a palavra parece evocar a força sonora dos trovões que sucedem os raios --e, há três décadas, também das bombas.

"Nesta zona há a modalidade mais dura do conflito. Nela se conjugam três coisas: guerrilha, narcotráfico e a intenção do Estado de se consolidar institucional e militarmente. Não é fácil atuar sob pressão", disse Jorge Mario Arenas, 42, o enérgico prefeito de El Tarra, quando recebeu a Folha.

As aflições do prefeito, uma das poucas vozes otimistas com o processo de paz que a reportagem encontraria em Catatumbo, têm raízes geográficas, geopolíticas e econômicas na região.

A Cordilheira Oriental, um desdobramento dos Andes, corta a área, que faz divisa ao leste com a Venezuela. O refúgio nas montanhas e a possibilidade de cruzar facilmente a fronteira de controles frouxos ou nulos transformaram a região numa importante retaguarda e centro logístico para as Farc a partir de 2002, quando começou a ofensiva militar deflagrada na gestão Álvaro Uribe (2002-10).

Segundo o governo, é na região --ou em partes contíguas já em território venezuelano-- que se esconde Rodrigo Londoño, 54, "Timoleón Jiménez" ou "Timochenko", atual chefe máximo das Farc.

Não por acaso, Catatumbo é a única zona do país onde atuam as três guerrilhas ativas na Colômbia. Além das Farc, ocupam os montes e se infiltram nas cidades o ELN (Exército de Libertação Nacional) e os remanescentes do EPL (Exército Popular de Libertação), sendo seu chefe, Megateo, hoje o homem mais procurado da Colômbia.

Os três grupos atuam em várias fases da cadeia do narcotráfico, às vezes associados entre si, em outras com apoio de redes criminosas. A cocaína, principal fonte de financiamento das guerrilhas, é um motor econômicos da zona, produtora de folha de coca.

Nos cálculos do coronel Jorge Alberto Mendoza Quiroga, 43, cerca de 550 guerrilheiros se espalham pelas montanhas. Número 2 da força-tarefa conjunta Vulcão, que desde 2011 tem 11 mil soldados na área, Mendoza diz que a desproporção entre os números de soldados e de guerrilheiros não deveria causar pasmo. "Um terrorista pode afetar centenas de pessoas."

Entre os trabalhos da tropa, diz o coronel, está a defesa do oleoduto que cruza a região rumo ao norte e das demais instalações da Ecopetrol, a estatal petroleira colombiana --desde os anos 1930 a região se dedica à exploração de petróleo. Quase diariamente, as guerrilhas tentam explodir o tubo.

ZONA ROJA O oleoduto, visível em alguns trechos da estrada, é um dos sinais mais claros da presença do Estado colombiano em Catatumbo. Como se trata de uma das chamadas "zonas rojas" (vermelhas) do conflito, o governo investe com parcimônia ali, enquanto não se dá a "consolidação" militar da área. Se o número de pobres na Colômbia é alto até mesmo para a América Latina (34,2%), na região alcança média de 40,4%.

As "obras de impacto" e pequenas ações sociais ficam a cargo do Exército e do assistencialismo provido pela Ecopetrol e por organizações como a Cruz Vermelha Internacional ou a católica Cáritas.

Nas estradas, mesmo trechos de poucos quilômetros só são vencidos após horas de percurso a bordo de veículos de tração reforçada. A rota cheia de barrancos que leva a El Tarra, uma das principais cidades da zona, com 13 mil habitantes, termina numa ponte decrépita sobre o rio do mesmo nome.

Quando a Folha chegou ao local, era quase noite. Enquanto caminhões com mercadorias descarregavam do outro lado da ponte, uma explosão se fez sentir. "Sim, é uma bomba", esclareceu a canadense Stéphanie Ferland, a delegada da Cruz Vermelha Internacional responsável por Catatumbo.

Na entrada da cidade, soldados pararam a comitiva. A "hostilidade", eufemismo para a bomba ouvida pouco antes, poderia causar atrasos. Mas o que os homens do coronel Mendoza queriam era ajuda. Explicaram a Ferland que um homem havia sido picado por uma cobra e que não havia soro antiofídico nem transporte para levá-lo ao hospital mais próximo.

El Tarra poderia estar no Norte ou no Nordeste do Brasil. A diferença mais flagrante entre a localidade e uma similar brasileira estava estampada nas paredes. Ao redor da praça principal, em comércios e casas particulares, inscrições feitas com estêncil serviam para explicitar que ali, como em boa parte de Catatumbo, vigia o controle tácito das guerrilhas, notadamente das Farc e da ELN, a despeito de quantos soldados houvesse na entrada ou em postos.

"O governo e os generais não estão reportando o total dos subalternos mortos e feridos nas selvas", sustentava um texto num dos muros, subscrito pelas Farc-EP, sendo a última parte da sigla uma abreviação de "Exército Popular".

Quem vende qualquer coisa em todo Catatumbo paga taxas e uma espécie de pedágio aos grupos guerrilheiros para entrar. As taxas mais pesadas são cobradas dos fornecedores de gasolina, em geral contrabandeada da Venezuela, e dos de cerveja. Em alguns povoados, as Farc e o ELN repartem os dividendos da cobrança da "vacuna", vacina em espanhol. "Se não abasteço com eles, queimam meus veículos", contou o dono de uma frota de transporte de passageiros em Las Mercedes, pedindo que seu nome fosse ocultado.

Em El Tarra, o controle abarca até mesmo serviços de infraestrutura. Uma operadora de celular foi impedida de se instalar na cidade neste semestre porque se recusou a pagar a "vacuna".

Já a prefeitura teve de desistir, ao menos por ora, de trazer internet via fibra ótica para a cidade. Quando a fibra chegou a 15 km de El Tarra, a guerrilha enviou recado, disse que não lhe agradava, que a internet ia desviar os jovens do espírito de luta.

As restrições também se aplicam aos demais meios de comunicação da cidade. "Aqui não damos notícias sobre um lado nem sobre o outro", expressa Diana Quintero, 29, locutora de um programa matinal da rádio católica. Mãe de uma adolescente de 12 anos, Quintero diz temer pelo futuro da filha. Há uma regra não escrita da guerrilha que proíbe as moças de se relacionarem com soldados. "Uma menina de 15 anos que morava perto da prefeitura foi morta. Matam uma e com isso mandam o recado."

CAPACETES Pouco depois das 21h, não se via, nas ruas principais de El Tarra, policiais ou soldados. Até que seis homens do Exército surgiram a caminho da praça principal, observados pelos moradores. Apesar das metralhadoras e dos capacetes, andavam mais cautelosos do que imponentes.

"Caminham como os americanos ao patrulhar Bagdá. É como se fosse um território ocupado, não seu próprio país", comentaria, depois, Aleksander Sladkov, ex-oficial e apresentador de um programa militar na TV estatal russa que nos acompanhava na viagem. A madrugada seria de mais "hostilidades", que derrubariam por dois dias o sinal de celular em El Tarra.

O britânico Jeremy McDermott, da Fundação InSight Crime, "think tank" voltado ao estudo do crime organizado nas Américas, usa outra imagem para descrever os soldados locais: "Para mim, que fui do Exército, a situação lembra a guerra com a Irlanda do Norte".

O problema para os policiais e soldados, e também para a população civil, é que em cidades como El Tarra o perigo pode vir de qualquer lado, de dentro de lojas, de uma bola de futebol recheada de explosivos ou de uma lata de lixo.

"Há uma nova fase. A guerra não é mais de guerrilheiros de uniforme e emboscadas tradicionais. As Farc recrutam cada vez mais milicianos, que moram nas cidades, não raro têm emprego e são muito mais baratos", diz McDermott.

Na maioria das vezes, são esses milicianos que, em roupas civis, colocam a bomba onde estão os soldados e atuam como franco-atiradores contra homens isolados do Exército. "As emboscadas que víamos aqui nos anos 1990, com até mais de mil guerrilheiros atacando postos policiais, já não acontecem", afirma o britânico.

As fronteiras pouco claras entre combatentes e não combatentes e o uso, pelas duas partes armadas, dos civis como "escudo" aumentam muito os riscos humanitários do conflito --a Colômbia só perde para o Afeganistão em número de minas terrestres.

Roberto Sarno, chefe do escritório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha que supervisiona Catatumbo, lamenta: "Ao colocar na cidade um posto policial, alvo militar legítimo do ponto de vista do direito internacional humanitário, põe-se em risco a população civil. Já o outro grupo armado lança ataques sem cumprir o princípio de distinguir civis e combatentes".

A nova fase da guerra, que já provocou desde os anos 1960 a morte de 300 mil pessoas e o deslocamento de 5 milhões de pessoas (10% da população atual da Colômbia), responde à mais recente mudança estratégica das Farc em quase meio século de luta na selva.

A guerrilha, de inspiração marxista-leninista, foi fundada em 1964. Nos primeiros anos, as Farc dividiram o protagonismo com outros grupos guerrilheiros. Nos anos 1980, ensaiaram um processo de paz que desaguaria, porém, no extermínio e assassinato seletivo de cerca de 3.000 militantes e ao menos 8 congressistas da União Patriótica, seu braço político de então, por grupos de extrema direita.

O auge de seu poder de fogo foi entre o fim dos anos 1990 e o começo dos 2000, quando se consolidaram decididamente no negócio do narcotráfico e aplicaram o dinheiro na guerra. Nas negociações de paz sob o governo Andrés Pastrana, entre 1998 e 2002, obtiveram do governo concessão para dominar um território do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, livre da presença de militares. A tentativa fracassaria, e a opinião pública passaria a desconfiar profundamente da guerrilha, que nessa época intensificou a prática de sequestros de políticos e estrangeiros.

Os anos 2000 foram de revés para as Farc. No governo Uribe, com o Exército modernizado e orientado pelos EUA, a guerrilha veria seu contingente cair pela metade, até o mínimo histórico atual, de 7.200 homens. A morte do fundador, Manuel Marulanda, o "Tirofijo", em 2008, e de outros cabeças da guerrilha empurraria a insurgência para a situação presente. Hoje, analistas veem uma inclinação para a saída negociada, dizendo que os guerrilheiros desistiram do plano, obsoleto e impraticável, de conquistar o poder pelas armas.

"Houve mudanças muito profundas tanto na guerrilha como no Estado e no contexto internacional desde a última tentativa de paz. E todas essas mudanças tornam mais factível um acordo agora", disse Rodrigo Pardo, ex-chanceler do governo Samper (1994-98), na sede da TV RCN, em Bogotá, da qual ele é diretor de jornalismo.

O prazo vislumbrado para um acordo, que se acredita que irá incluir o ELN, é depois das eleições presidenciais, em maio. Nelas, o atual mandatário, o pragmático Juan Manuel Santos, é um favorito sem brilho, liderando com apenas 23% das intenções de voto, apesar do crescimento da economia (a estimativa é de 4% em 2013).

"Creio que na mesa de negociação, o processo de paz é irreversível. Na rua, não estou tão seguro", diz Antonio Navarro, 65, ex-chefe guerrilheiro do grupo M19, que se desmobilizou nos anos 1990. "Não há consenso sobre a paz negociada. Há setores políticos importantes que se opõem. A opinião pública está muito menos disposta que antes a fazer concessões que são necessárias em uma negociação", segue ele, que foi governador do Estado de Nariño, no sul.

Navarro se refere ao rechaço da maioria da população à possibilidade de que as Farc possam participar da política e paguem penas mais brandas por seus crimes em troca de deixar as armas. Um acordo sobre a participação política da guerrilha no futuro, fechado em outubro em Havana, sugere isso, ainda que não entre em detalhes.

Enquanto isso, as Farc, odiadas na maioria do país, agem para voltar a ter militância, investindo em três grupos: o PC3 (Partido Comunista Clandestino Colombiano), seu próprio movimento bolivariano e a rede de milicianos. Sinal dos tempos, a União Patriótica acaba de conseguir na Justiça o direito de voltar a ser um partido, depois do massacre dos anos 1980.

"O acordo sobre a participação política remove um dos obstáculos principais. No entanto nada está concluído até que o novo cenário político se estabeleça, com as eleições legislativas de março e a presidencial de maio", diz Javier Ciurlizza, do centro de estudos Crisis Group, lembrando que um triunfo parlamentar do "uribismo" pode "afetar seriamente o processo". A maior parte da "legislação da paz" sairá do novo Congresso.

COCA Se as incertezas políticas sobre o processo de paz ecoam em Bogotá, as econômicas e operacionais saltam aos olhos em Catatumbo. Na semana passada, as Farc e o governo começaram a abordar a questão do narcotráfico, e a guerrilha defendeu uma discussão sobre a legalização. Dias antes, a Folha visitava um plantio cocaleiro próximo de El Tarra --em Catatumbo, são 4.500 hectares de coca, cultivo que cresceu 29% entre 2011 e 2012, segundo a ONU, contrário à média do país (queda de 25%).

Diego, de 12 anos, sentou para contar à reportagem sua experiência como "raspachin", o nome dado a quem "raspa", colhe as folhas de coca. Enquanto arrancava pequenos pedaços de pele da mão, ferida pela "raspagem", disse ter ganhado o equivalente a R$ 300 em oito dias de trabalho, em meio período. É quase metade de um salário mínimo colombiano. "Quero comprar uma moto."

Diego não pensa muito antes de responder que um de seus maiores desejos, além de ver a seleção colombiana jogar no Brasil no ano que vem, é mudar para um lugar onde não haja Exército, que ora arranca o plantio de coca de seus pais e parentes, ora acusa algum deles de colaborar com a guerrilha. "Bateram em um tio meu", diz.

Se a atividade guerrilheira atormenta, a dos militares tampouco traz tranquilidade a uma região traumatizada pelos massacres efetuados por grupos paramilitares, com apoio tácito do Exército, entre 1999 e 2004, quando estima-se que tenham morrido 5.000 pessoas.

"É um processo. Nós entendemos que as pessoas ainda tenham esse pensamento. Mas, pouco a pouco, fomos avançando, nos aproximando da população", disse à Folha o coronel Mendoza.

É nesse caldeirão que o Estado colombiano tem de mexer para livrar a zona do narcotráfico sem jogar milhares na miséria.

Cada arroba de folha de coca (cerca de 15 quilos) colhida na zona vale o equivalente a R$ 8. São necessárias cerca de 9 arrobas para produzir um quilo de pasta base para a cocaína, que salta para cerca de R$ 1.800. É esse o produto que os cocaleiros da zona vendem a narcotraficantes autorizados pela guerrilha ou para a própria guerrilha. Se o comprador for dono de laboratório para cristalizar a cocaína, o lucro se multiplica muitas vezes. E, se tiver contatos para fazer a droga chegar até os EUA, o quilo terminará valendo R$ 184 mil.

É por causa dessa quantidade de dinheiro que circula nas mãos dos guerrilheiros, especialmente os das Farc, que faturam ao menos US$ 200 milhões anuais, que muitos especialistas temem que em algumas frentes insurgentes, como a que atua em Catatumbo, haja o risco de fratura. Em vez de entregar as armas, eles se manteriam nas montanhas, já desligados da guerrilha, para seguir com o negócio ilegal. Numa empreitada tão lucrativa, se há desmobilização, rapidamente o crime organizado se molda para ocupá-lo.

Na ponta dos produtores de coca, a situação tampouco é fácil. Os cocaleiros ouvidos pela Folha classificaram de não realistas as propostas de cultivos lícitos para substituir a coca numa região pobre e de infraestrutura quase nula.

Uma tentativa de erradicação na zona, em junho, deflagrou uma onda de protestos por investimentos do governo. De um lado, a polícia reagia com violência; de outro, havia a coerção das guerrilhas para engrossar as manifestações.

Os protestos se espalhariam pelo país, com pequenos produtores da economia legal cobrando apoio do governo ante a enxurrada de importações induzidas pela abertura da economia nos últimos anos. As manifestações derrubaram a aprovação de Santos e expuseram o mal-estar geral no campo.

"Sou evangélico, sei que não está correto plantar coca, mas isso de plantios alternativos não dá certo. Eles arrancaram minha mata no ano passado, já plantei de novo", contou um cocaleiro que não quis se identificar. "Foi só com a coca que eu consegui juntar algo."

CONVICÇÃO Após se despedir de El Tarra, a última parada da Folha em Catatumbo foi no povoado de San Pablo. Era um sábado ensolarado, mas o lugarejo parecia tenso. Circulava um relato de que uma pessoa havia sido assassinada pela guerrilha, dias antes. O padre Gregório Salazar Paz, 44, que ajuda vítimas do conflito, recebeu a reportagem com o semblante cansado, mas demonstrando convicção. "Não tem sentido servir em um lugar onde tudo vai bem."

Era a última oportunidade de perguntar sobre o processo de paz, e o padre não trouxe elementos novos. "Em vez de nos encher de militares, deveriam nos cercar de investimentos em saúde e em educação. A sagrada escritura diz que a paz é fruto da justiça."

Na fachada da igreja e em vários outros muros, notamos o recado da guerrilha, feito a spray: "Feliz Natal e Próspero Ano Novo, é o que lhes desejam as Farc-EP".


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