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O imperador da solidão

Visões de Octavio Paz em seu centenário

SYLVIA COLOMBO

RESUMO Intelectual de maior relevo e único Nobel de Literatura do México, autor prolífico e ativo na vida pública, Paz (1914-98) é celebrado de forma solene em seu país. Escritores e críticos ouvidos pela Folha lá como no Brasil, onde é hoje pouco editado, comentam o legado de sua obra e as controvérsias na vida política mexicana.

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Uma manta roxa com listras pretas cobre uma árvore na estrada Capacuáro-Los Reyes, no Estado de Michoacán (centro-sul do México). O tecido, usado como xale pelas indígenas da região do antigo Império Purépecha (séc. 14-16), é um sinal: até ali, e não mais, pode ir o homem branco.

Os purépechas estão cansados não apenas da violência dos cartéis de drogas que atuam na região mas também do Exército e das instituições do Estado nacional. A guerra instalada entre as duas partes desde 2006 já deixou mais de 60 mil mortos no país.

Mas o embate pode ser visto como uma das faces, ainda vívidas, de conflitos ancestrais envolvendo indígenas (cerca de 11% da população do país, hoje com 112 milhões de habitantes), espanhóis (ou branco dominante) e "criollos" (os nascidos na América, mas de ascendência europeia). Os mesmos conflitos, em suma, que ocuparam boa parte da obra de Octavio Paz (1914-98), maior intérprete da cultura mexicana, cujo centenário se comemora no dia 31.

"Os escritos de Paz valem ainda hoje. Sua obra poética e ensaística buscava entender como a mistura histórica e cultural que nos forma é conflituosa, violenta e original", diz à Folha o escritor Juan Villoro.

"Ele dizia que nós éramos os executores do pó. Que havíamos destruído o mítico vale que nos fora dado e que nele havíamos construído um deserto. O eixo de sua obra poética e ensaística inquire sobre o que era esse deserto."

Essa obra que muito deve à investigação sobre o que é ser mexicano fez de Octavio Paz, em 1990, o único ganhador do Nobel de Literatura no país. Seu nome é, até hoje, uma espécie de estandarte da cultura local no exterior.

A partir da semana que vem, Paz será celebrado em cerimônias solenes e exposições em seu país, no Colégio Nacional de México (instituição acadêmica que reúne nomes célebres da intelectualidade local) e no Palácio de Bellas Artes (teatro e centro de exposições). A maioria das celebrações terá o selo do Estado, por meio do Conaculta (Conselho Nacional para a Cultura e as Artes).

Uma legião de autores de vários países se reunirá na capital mexicana para lembrar sua obra. Entre eles, estarão quatro outros vencedores do Nobel: Wole Soyinka (Nigéria), Derek Walcott (Santa Lúcia), Jean-Marie Gustave Le Clézio (França) e Mario Vargas Llosa (Peru). As comemorações oficiais terão ainda um braço em Madri.

No Brasil, o nome de Paz será lembrado com a reedição de "O Labirinto da Solidão" [trad. Ari Roitman e Paulina Wacht, R$ 69, 384 págs.], que a Cosac Naify coloca nas livrarias no começo de abril. A editora --que, em parceria com o Fondo de Cultura Económica, havia lançado dois dos principais ensaios sobre poesia do autor, "O Arco e a Lira" (em 2012) e "Os Filhos do Barro" (em 2013)-- escolheu para marcar o centenário a obra na qual Paz investiga a alma, os hábitos, as festas, a sociabilidade e o histórico sentimento de solidão do mexicano.

No ano que vem, a mesma editora lançará uma antologia poética, organizada por Heloisa Jahn, com tradução de Horácio Costa, que virá reforçar um catálogo hoje magro de obras de Paz no país. Além dos títulos recentes, só se encontram facilmente em livrarias edições brasileiras de outros três títulos: "Signos em Rotação", "Marcel Duchamp ou o Castelo da Palavra" (ambos pela Perspectiva) e "O Ramo, o Vento" (Autêntica).

A Flip considera realizar um evento de homenagem ao mexicano em sua próxima edição, no fim de julho, mas nada está definido. O que há de concreto é o seminário internacional "Paixão Crítica: 100 Anos de Octavio Paz", que reunirá mais de 20 nomes, entre 29 de setembro e 2 de outubro, para falar da relevância do intelectual tanto na literatura como na política, com sessões na PUC-Rio e na Academia Brasileira de Letras.

ZÓCALO Num Starbucks localizado numa esquina do Zócalo, a praça principal da Cidade do México, em torno da qual se concentram os edifícios do poder federal, o estudante de administração Manolo Viñas, 23, olhos vidrados num iPad e tomando um expresso duplo (sinal dos tempos num país em que o café chamado "americano", aguado, imperava até há pouco), conta que os livros de Paz ocupavam prateleiras inteiras na casa de seus pais, mas que seu conhecimento da obra do autor se resumia a uns quantos poemas lidos na escola.

Perto dali, numa filial da livraria Gandhi, famosa cadeia local, há uma estante comemorativa do centenário de Paz. Numa ensolarada manhã de fim do inverno, Alfredo Ordáz, 67, folheava o ensaio do autor sobre erotismo, "La Llama Doble" (fora de catálogo no Brasil).

"Paz se aventurou em áreas que nós, mexicanos, não tratamos abertamente, como o amor e a sexualidade. Foi fundo para tentar entender por que somos tímidos e recatados, mas levamos uma chama interior que explode em momentos festivos."

LABIRINTO Em "O Labirinto da Solidão", Paz diz: "Vivemos ensimesmados, como esses adolescentes taciturnos, donos de não se sabe qual segredo, que protegem com sua aparência carrancuda, mas que só espera o momento propício para se revelar".

O livro, publicado originalmente em 1950, insere-se na longa tradição de grandes ensaios interpretativos latino-americanos, que deu origem também a "Facundo" (1845), do argentino Domingo Faustino Sarmiento, ou aos clássicos dos brasileiros Sérgio Buarque de Holanda ("Raízes do Brasil", 1936) e Gilberto Freyre ("Casa Grande & Senzala", 1933).

"O Labirinto da Solidão" é um ensaio sobre a identidade mexicana (individual e coletiva), baseado na investigação das heranças culturais (coloniais e pré-colombianas) e na originalidade dessa mistura com o elemento nativo.

No pano de fundo, está a ideia da pátria violada, que seria a mãe dos mexicanos. No capítulo "Filhos da Malinche", Paz opina que os mexicanos seriam filhos dessa mãe que não resiste à violação, à conquista. A relação direta é com Hernán Cortés, conquistador espanhol que tomou como amante uma indígena náhuatl, Malintzin.

Malinche, como se tornou mais conhecida, teria sido sua guia e intérprete e é vista, por muitos, como uma traidora, que facilitou a conquista do país. Tudo sobre Malinche é duvidoso, pois falta documentação para provar seus passos, e sua desaparição é também incerta. Ao referir-se aos "filhos da Malinche", Paz quer dizer que os mexicanos são frutos da violação da pátria.

Hoje, a relevância do "Labirinto" é avaliada por escritores e ensaístas mexicanos de maneiras distintas --o grau de apreciação pode ir do tom celebratório ao relativizador, a depender da geração de quem se pronuncia.

Ficcionista e jornalista contemporâneo de Paz, Carlos Monsiváis (1938-2010) dizia que "O Labirinto" ganhava importância crescente "num país já não culturalmente periférico e já não tão dependente de mitologias".

Na opinião do crítico Christopher Domínguez Michael, 52, que trabalhou com Paz na revista "Vuelta", fundada pelo Nobel em 1976, o livro parte de um sistema de interpretação ultrapassado. "Crônicas da pátria colonial violada existem em várias culturas", diz. Ainda assim, Domínguez Michael (que está lançando uma biografia do ex-chefe, "Octavio Paz en su Siglo") crê que ninguém analisou a mexicanidade como Paz fez naquelas páginas.

Juan Villoro, 57, sublinha que "é preciso entender o contexto do Labirinto'". "É uma obra dos anos 1950, quando o México vivia uma euforia nacionalista, ainda efeito da Revolução; estávamos inebriados com o vanguardismo de nossa Constituição e, ao mesmo tempo, celebrando interpretações populares e artísticas de nossa história, vide o sucesso dos muralistas [Diego Rivera, José Orozco e David Alfaro Siqueiros]".

De fato, o processo revolucionário mexicano, que se iniciou em 1910 e culminou na promulgação da Constituição de 1917 (em vigor até hoje), deu origem a um período histórico de grande euforia e nacionalismo. O México conseguiu afastar a Igreja das decisões políticas, tirou terras do Estado eclesiástico, promoveu uma ampla reforma agrária, além de garantir liberdade de culto, direitos trabalhistas e outros direitos sociais, dois anos antes da mítica Constituição de Weimar.

O escritor Jorge Volpi, 45, por sua vez, considera que "apesar de ser muito lindo, em termos literários, [O Labirinto'] traz uma fenomenologia do homem mexicano hoje difícil de sustentar. Ficou um pouco datada".

Por fim, o ainda mais jovem crítico e escritor Rafael Toriz, 31, considera que o desgaste do "Labirinto" está mais na interpretação do que em seu significado. "Essas outras gerações parecem não entender que é uma obra aberta. Uma obra que dialoga com a poesia de Paz e com a própria história do México atual. Não deve ser lida de maneira literal, é preciso continuar seu vanguardismo na forma, e não transformá-lo num cânone."

PROGRESSISTA Até a época de publicação de "O Labirinto da Solidão", Paz ainda era um entusiasta do PRI --o Partido Revolucionário Institucional, nascido após a Revolução-- e era considerado um intelectual progressista.

Sua desilusão com a esquerda começou no final dos anos 1930, após a Guerra Civil Espanhola (1936-39), no qual se enfrentaram as milícias republicanas e as forças franquistas. Paz engajou-se na campanha republicana, porém não escondeu sua decepção com os abusos cometidos pelos comunistas e passou a denunciar os extremos ideológicos. Começava seu afastamento da esquerda soviética e uma defesa de um modelo mais democrático de progressismo.

De 1946 a 1951, o escritor viveu em Paris. Durante esse período, conviveu com os existencialistas franceses e travou amizade especialmente com Albert Camus (1913-60), tornando-se crítico severo da esquerda tradicional e pregando uma perspectiva mais libertária.

Carlos Monsiváis registrou, em "Octavio Paz y la Izquierda" ("Letras Libres", abril de 1999), a decepção de Paz com a ideologia que até então seguia: "Na Espanha vê instalar-se, ao lado do heroísmo e da solidariedade, a inquisição de corte soviético. Paz vai se distanciando da esquerda stalinista (quase a única existente naquele momento) e se reorienta através do exame e da rejeição aos dogmas".

A essa frustração com a esquerda, cristalizada sobretudo após sua participação num congresso de escritores antifascistas em Valência, em 1937, Paz somaria outra: a prisão do poeta cubano Herberto Padilla (1932-2000), em 1971, pelo regime de Fidel Castro.

O caso marcou o abandono por parte de vários intelectuais da defesa da Revolução Cubana (1959). Além de Paz, Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar, Susan Sontag, Jean-Paul Sartre, entre outros, pediram publicamente a libertação do poeta. A pressão internacional teve resultado, mas Padilla acabou deixando Cuba, optando por ir viver nos EUA. Acabou sendo tratado pela gestão Ronald Reagan (1981-89) como herói e símbolo do fracasso revolucionário cubano.

A guinada ideológica de Paz não foi bem aceita pelos seus pares, e ele passou a ser considerado um escritor "de direita". Sem encontrar espaço no México para suas denúncias contra os campos de concentração soviéticos, passaria a publicar artigos políticos e literários em revistas argentinas, como a "Sur".

Em 1968, porém, ocorreu o grande gesto político e humanitário que o reconciliaria com a maioria dos intelectuais latino-americanos. Em resposta ao brutal Massacre de Tlatelolco, Paz renunciou ao posto de embaixador mexicano na Índia.

Em 2 de outubro daquele ano, dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos na capital mexicana, o presidente Gustavo Díaz Ordáz enviara uma força militar para reprimir uma manifestação estudantil na praça das Três Culturas, em Tlatelolco, no centro da cidade.

O resultado foi uma carnificina --as estimativas de mortos são díspares, indo de 500 a 3.000. Instado a fazer um poema celebratório das Olimpíadas, Paz respondeu, então, usando de trágica ironia, com versos que diziam: "Los empleados municipales lavan la sangre en la plaza de los sacrifícios".

O intelectual rompeu nesse momento com o PRI, que ocupava o poder desde 1929 (e no qual permaneceria até a eleição de Vicente Fox Quesada, do Partido de Ação Nacional, em 2000).

"Nesse ponto, Paz já não correspondia estritamente mais à esquerda tradicional, mas também não se aliava à direita. Foi chamado de reacionário, foi afastado da discussão política, mas, na verdade, era quem fazia o retrato mais lúcido do que estava acontecendo", afirma Villoro.

Jorge Volpi completa: "A história acabaria por lhe dar razão do ponto de vista ideológico. Em 1989, cai o Muro de Berlim. E, no ano seguinte, Paz ganha o Nobel".

Para o editor e ensaísta Enrique Krauze, 66, a renúncia à embaixada "foi o melhor momento político de Paz, um gesto invulgar e altamente rebelde". "E não mudaria apenas sua vida, mas a vida intelectual do México e, num certo sentido, da América Latina", frisa Krauze, diretor da revista "Letras Libres", publicação mensal criada em 1999 que é considerada uma sucessora de "Vuelta" (e que, além da edição mexicana, tem uma versão publicada na Espanha).

Além de "Vuelta", Paz fundou também a revista "Plural" (1972-76), que questionava tanto as ditaduras latino-americanas como o regime cubano.

Christian Domínguez Michael recorda os tempos da "Vuelta". "A revista era feita com a agenda de amigos de Paz. Se ele precisava de algo do Brasil, pedia a Haroldo de Campos; da Espanha, a amigos seus de lá; e assim por diante. Era uma rede de correspondentes de luxo, que morreu com ele, em 1998", explica, com tristeza, o crítico.

Jorge Volpi ecoa a constatação de Domínguez Michael: "Os intelectuais históricos estão desaparecendo, é o fim da grande geração que, com a pena, influenciava, participava da política e da sociedade. São outros tempos".

POESIA Apesar do relevo dado à dimensão política de sua obra, é consensual, entre os intelectuais ouvidos pela Folha no México e no Brasil, a ideia de que a parte do legado de Paz que se mantém mais sólida e influente é a poesia.

Descendente direto das vanguardas do século 20, Paz iniciou-se na poesia em 1933, aos 19 anos. Logo abraçou diversos experimentalismos, o que o levou a afinar-se com os concretistas brasileiros. Sua poesia não era popular ou diretamente engajada, como a do chileno Pablo Neruda (1904-73), seu amigo, mas era revolucionária na forma e liderou uma renovação na região.

Para o poeta e professor da UFMG Sérgio Alcides, 46, a poética de Paz era "totalmente absurda de um ponto de vista europeu ou anglo-americano".

"Em Paz, a condição de periférico é o que lhe dá o ímpeto verdadeiramente cosmopolita. Justamente por estar livre da rigidez dos centros estáveis é que consegue conciliar o barroco hispano-americano, a cadência torrencial de Walt Whitman, o desafio à linguagem de Mallarmé, o orfismo de Hölderlin e a sabedoria da Índia, chegando a um resultado único."

O texto em que talvez esses elementos tenham se reunido de forma mais exitosa foi "A Pedra do Sol", que mistura vanguarda e mitologia clássica.

BRASIL Apesar de ser um fã incondicional da Argentina e de crer que, em toda a América Latina, somente ali havia uma grande tradição literária como a do México, Paz tinha afetos importantes no Brasil, e o principal deles era Haroldo de Campos (1929-2003). Seu diálogo com os concretistas marcou o trabalho de ambos os lados.

"Sinto que os concretistas levaram ao limite o experimentalismo de Paz. Em algum momento, ele quis parar, voltar às formas tradicionais, e o Brasil representou um obstáculo para isso", diz Domínguez Michael. "Depois de um tempo a influência brasileira tornou-se daninha", opina.

O principal ponto desse contato mútuo deu-se em 1986, quando Haroldo de Campos dedicou-se ao que chamou de "transcriação" do poema "Blanco", de Paz. Pelas mãos do brasileiro, transformou-se no "Transblanco". Para chegar ao resultado, ambos trocaram ávida correspondência.

Haroldo e Paz se conheceram no final dos anos 1960, quando o jurista Celso Lafer os colocou em contato. O brasileiro leu "O Arco e a Lira" e outros textos do mexicano e enviou-lhe por correio a revista "Noigandres". Paz já tomara conhecimento do grupo dos concretistas brasileiros, por meio de indicação do poeta norte-americano E.E. Cummings. A correspondência entre ambos persistiria de fevereiro de 1968 a maio de 1981.

"Não creio que se possa falar de influência, seria muito simplista. O que houve entre os dois foi um diálogo muito intenso e rico, ambos já eram poetas maduros. Havia muitas afinidades entre os concretistas e Paz; além do ímpeto renovador, nas temáticas, por exemplo o erotismo, o interesse pelo elemento indiano", diz o crítico Davi Arrigucci Jr.

CELEUMA Às vésperas do centenário de Paz, a grande celeuma no México se refere a o que acontecerá com seu legado.

Paz deixou tudo o que tinha para sua viúva, a pintora francesa Marie-José Tramini, sua segunda mulher, com quem se casou na Índia, em 1964.

O escritor não teve filhos com Marijó, como a chamam os próximos. Com a primeira mulher, a dramaturga Elena Garro, morta em 1998, teve uma filha, Helena Paz Garro, hoje com 74 anos e, por conta de problemas graves de saúde, vivendo reclusa, em Cuernavaca, na região central do México.

Assim, toda a autoridade sobre o espólio do escritor está nas mãos de Marijó, que não tem dado entrevistas e guarda em sua casa os livros e papéis sobreviventes ao incêndio que destruiu parte do apartamento do casal no Paseo de la Reforma, em 1996. Há cartas, textos inéditos de Paz e contratos oferecidos por editoras para relançar seus livros, muitos dos envelopes ainda fechados.

Sem saber o que fazer quanto ao comportamento de Marijó, amigos de Paz e colaboradores de sua obra chamaram até mesmo María Kodama --viúva do argentino Jorge Luis Borges e conhecida por sua atitude rigorosa com a memória do autor de "O Aleph"-- para convencê-la a ser mais flexível com relação à obra do marido.

Há o risco, que alguns apontam já como uma sombra sobre a celebração do centenário, de que a obra de Paz, escritor tão prolífico --só de ensaio foram mais de 20 títulos-- e ativo, adquira o caráter vetusto de um monumento.

SÍMBOLOS Bairro histórico cheio de construções coloniais e carregadas de símbolos nacionais, como a casa da Malinche e o museu Frida Kahlo, Coyoacán é hoje uma área de lazer e turística.

Lá fica também a casa onde Octavio Paz passou seus últimos anos. Hoje transformada na Fonoteca Nacional, a antiga residência fica numa rua ainda de pedras --os citadinos gostam de dizer que a Francisco Sosa é a primeira rua calçada de todo o continente.

Nos fins de semana, o "zócalo" do antigo vilarejo incorporado como bairro ao sul da cidade fica cheio de famílias buscando entretenimento. Na grande praça, abundam "organilleros", de cujos realejos saem sons que se confundem nos ouvidos dos visitantes.

"Por sorte eles estão desaparecendo, já não há mais peças de reposição para esses instrumentos", diz o taxista Giuseppe, descendente de italianos. "O som é uma praga, mas eles estão associados à vida boêmia da cidade, quando os intelectuais se reuniam nos cafés. Uma época que já foi."

"É bom que a cidade esteja mudando, que o México esteja mudando", opina Juan Villoro. "O que Paz menos queria, aposto, era ser transformado numa estátua, num emblema do passado. As novas gerações de poetas o leem e o estão revigorando", diz.

"Os contemporâneos de Paz o estão mumificando, com todas essas cerimônias solenes. Ele fugiria disso", aposta Rafael Toriz. "Ao mesmo tempo, ele é um ícone de uma época. O papel que Emiliano Zapata teve na Revolução, Paz desempenhou na nossa cultura. Foi nosso último imperador."


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