Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrissima

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Imaginação

Sir Thomas More

SOBRE O TEXTO O manuscrito de "Sir Thomas More" teria sido redigido por sete pessoas, entre elas Anthony Munday (1560-1633), que seria o autor do texto original, por volta de 1600. A peça não foi encenada nem publicada à época. A primeira colaboração de Shakespeare é identificada no trecho manuscrito pela chamada "hand d" (caligrafia d), por volta de 1604. É o Ato 2, Cena 4, traduzido ao lado. Além de caligrafia, também ortografia e outras características remetem ao dramaturgo. Uma colaboração posterior e mais curta de Shakespeare, manuscrita por outra pessoa, "hand c", é atribuída a ele por paralelos verbais e outros. Considerada a passagem de mais qualidade da peça, é o Ato 3, Cena 2, também ao lado.

trechos atribuídos a WILLIAM SHAKESPEARE
tradução ALÍPIO CORREIA DE FRANCA NETO

Ato 2, cena 4

Entram Lincoln, Doll, o Bobo, George Betts, Williamson e outros.

LINCOLN - Silêncio, ouvi: quem não quiser arenque defumado a quatro pence, manteiga a onze a libra, farinha a nove xelins o alqueire e carne a quatro moedas de ouro quatorze libras, me escutai.

GEORGE - Se os estrangeiros forem tolerados, isso vai acabar em crise. Vamos dar-lhe atenção.

LINCOLN -O nosso é um país que come muito; ergo, eles comem mais no nosso país do que no deles mesmos.

O BOBO - Um pão por dia a meio pêni, sistema "troy".

LINCOLN - Eles cultivam vegetais de fora e péssimos, o que é apenas pra ruína dos pobres dos aprendizes. Ora, o que é uma mísera pastinaga prum bom apetite?

WILLIAMSON - Nada, nada. Causam dor nos olhos e podem infectar a cidade com a paralisia.

LINCOLN - Não, infectaram: esses vegetais bastardos do esterco --vós sabeis que eles crescem no esterco-- já nos infectaram, e a nossa infecção, que vai abalar a cidade, em parte está ocorrendo porque nós comemos pastinagas!

O BOBO - É verdade. Abóboras também.

Entra [Downes, o Sargento d'armas].

DOWNES - O que dizeis à piedade do Rei? A recusais?

LINCOLN - Quereis nos desequilibrar na luta, hein? Não, claro que não; aceitamos a piedade do rei. Só que não vamos demonstrar piedade pelos estrangeiros!

DOWNES - Sois os infelizes mais simplórios que eu já vi insistindo numa questão como essa.

LINCOLN - Como é que disseste, aprendizes?, aprendizes simplórios? Abaixo com ele!

TODOS - Aprendizes simplórios! Aprendizes simplórios!

Entram o Prefeito de Londres, Surrey, Shrewsbury [e More].

PREFEITO DE LONDRES - Parem! Em nome do Rei, parem!

SURREY - Amigos, camaradas, compatriotas"...

PREFEITO DE LONDRES - Paz, escutai, paz! Eu vos ordeno, conservai a paz!

SHREWSBURY - Meus camaradas, compatriotas"...

WILLIAMSON - O nobre Conde de Shrewsbury, vamos ouvi-lo.

GEORGE - Vamos ouvir o Conde de Surrey.

LINCOLN - O Conde de Shrewsbury.

GEORGE - Vamos ouvir os dois.

TODOS - Os dois, os dois, os dois, os dois!

LINCOLN - Paz, estou dizendo, paz! Sois homens sábios ou o quê?

SURREY - O que quiserdes, menos homens sábios.

TODOS - Não vamos ouvir meu Lorde de Surrey: Não, não, não, não! Shrewsbury, Shrewsbury!

MORE - Enquanto transbordarem a obediência Vão acabar com tudo desse jeito.

LINCOLN - O Xerife More fala: vamos ouvir o Xerife More falar?

DOLL - Vamos ouvir ele: ele como xerife tem uma mesa generosa, e arrumou pro meu irmão ser assistente do Sargento Safe. Vamos ouvir o Xerife More.

TODOS - Xerife More, More, More, Xerife More!

MORE - Mesmo que com o governo que seguis,
Ordenai-vos ouvirdes em silêncio.

ALGUNS - Surrey, Surrey! More, More!

LINCOLN e GEORGE - Paz, paz, silêncio, paz!

MORE - Tu, que esta multidão escuta e preza,
Ordena-lhe o silêncio.

LINCOLN - A peste caia sobre eles! Não vão manter a paz, O diabo não pode governá-los!

MORE - Que encargo duro e ruidoso tendes,
Governar quem o diabo não governa!
- Meus camaradas, escutai.

DOLL - Sim, pela missa, nós vamos ouvir. More: és hospitaleiro, e te agradeço a consideração em nome do meu irmão Arthur Watchins.

TODOS - Paz, paz!

MORE - O que ofendeis é o mesmo que pleiteais,
Ou seja, paz: não estaríeis aqui
Tivésseis tido outros iguais na infância
Pra degolar a paz, como quereis;
Se a paz em que vos criastes até agora
Fosse tomada, os tempos cruentos não
Vos levariam até à idade adulta.
Ai, tristes criaturas, qual o ganho
Se assegurarmos isso que pedis?

GEORGE - Ora, essa, a remoção dos estrangeiros, que só sabem se aproveitar dos pobres artesãos da cidade!

MORE - Vamos supor que ela houve, e vosso ruído
Vergou a majestade da Inglaterra.
Pensai nos estrangeiros, infelizes,
Com crianças nos ombros, bagagem pobre,
Se arrastando à orla e ao porto pra transporte,
E sentais como reis ante os desejos,
O poder silenciado às queixas altas,
Vós, trajando vanglória até os rufos;
O que lograstes? Digo. Ensinastes
Que empáfia e mão pesada hão de se impor,
A ordem, ser pisoteada, e com esse exemplo
Nenhum de vós acabaria ancião,
Pois mais rufiões, presas de fantasias,
Com iguais razões, mão, senso de direito,
Iriam predar-vos, e homens, devorar-se Como peixes vorazes.

DOLL - Por Deus, isso é tão verdadeiro quanto o Evangelho!

GEORGE - Ora, esse camarada é íntegro, garanto. Vamos ouvi-lo.

MORE - Deixai-me expor ao vosso juízo, amigos,
O que é uma hipótese; se a escutardes,
Percebereis quão repugnante é a forma
Desse motim; primeiro, ele é um pecado
Do qual o apóstolo já advertia,
Instando obediência à autoridade;
Não erraria se dissesse a todos
Que vos batíeis contra o próprio Deus.

TODOS - É claro, Deus proibiu isso!

MORE - Ou melhor, certamente vos bateis.
Deus concedeu ao Rei a autoridade
Do assombro, do poder, justiça e mando,
Deu-lhe o governo, quis que obedecêsseis;
E acrescentando majestade a isso,
Não só cedeu Sua figura ao Rei,
Seu trono e espada, como deu-lhe o nome --
O chama Deus na Terra. O que fazeis,
Negando quem o próprio Deus empossa,
Senão negar a Deus? O que fazeis
À alma com isso? Oh, desesperados,
Lavai vossa alma em pranto, e as mesmas mãos
Que ergueis como rebeldes contra a paz
Erguei por paz, e os joelhos profanos,
Fazei-os vossos pés. Vos ajoelhar
Para o perdão é guerra mais segura
A vós, cuja ordem é o tumulto. Vamos,
Recolhei-vos à obediência! Até
Vosso tumulto ocorre em obediência.
Me respondei: que capitão rebelde,
Já que há motins, chamado dessa forma,
Aquieta a malta? Quem segue um traidor?
Como a proclamação soará harmoniosa
Sem título senão o de rebelde
Pra designá-lo assim? Degolareis
Estrangeiros, lhes tomareis as casas
E ireis guiar a majestade da lei
em trela, então largá-la como a um cão.
Se o Rei -- piedoso com quem tem remorso --
Punisse vossa enorme transgressão
Só vos banindo, aonde iríeis? Qual
País, com a natureza dessa falta,
Daria abrigo? Ide à França ou Flandres,
Província alemã, Espanha ou Portugal,
Um lugar sem os usos da Inglaterra:
Sereis, por força, estrangeiros. Vos
Agradaria nação tão primitiva,
Que irrompesse com uma violência hedionda,
Não vos desse morada nesta terra,
Afiasse a faca odiosa em vossa goela
Ou vos chutasse como a cães, e como
Se estranhos a Deus, não criados por ele,
Com elementos não próprios ao conforto
E impingidos a ele? O que pensaríeis
De um trato assim? É o caso de estrangeiros;
Eis vossa desumanidade horrenda.

TODOS - É mesmo, o que ele tá falando é verdade. Vamos fazer pros outros o que queremos que nos façam.

LINCOLN - Vamos ser liderados por ti, Camarada More, se ficares a nosso lado pra conseguir nosso perdão.

MORE - Entregai-vos aos nobres cavalheiros,
Rogai-lhes a mediação com o Rei,
Cedei à regra, ouvi o magistrado
E será certo que achareis piedade
Se assim buscardes.

[...]

Ato 3, Cena 2

Uma mesa coberta por uma toalha verde. Sobre ela, uma almofada de cerimônia, a bolsa com a insígnia de Lord Chancellor e ao lado dela a maça. Entra Sir Thomas More

É no céu que eu estou, de um jeito ou de outro,
E o que chamamos "sorte", como ímpios,
É a provisão desse poder na altura,
Própria e moldada à força natural
Com que nascemos. Meu bom Deus, bom Deus!
Eu ascender de um ramo humilde à testa
Do meu país, como me aconteceu,
E legislar! Na vida de meu pai,
Ter direitos, tributos dos joelhos
Dos meus, mais velhos --e ele, por meu cargo,
Me dar a via plana a sua direita,
Dele por natureza! É, tais coisas,
Se não tratadas, tornam nosso sangue
Corrupto: só que, More... quanto mais tenhas,
Honra, carreira, posição, riqueza,
Que atiçam a acolhê-las, abraçá-las,
Mais lembra a natureza das serpentes,
Seu cerne agudo, e adota esta máxima:
Quanto mais fios de fases triunfais
Mais em ruína a meada se desfaz.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página