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Ases indomáveis

Os 50 anos dos quarks

CÁSSIO LEITE VIEIRA

RESUMO Nos anos 60, um estudante russo e um professor americano desenvolveram ao mesmo tempo, separadamente, o modelo de partículas hoje conhecidas como quarks. A história desses que estão entre os menores pedaços de matéria que conhecemos até hoje é, também, uma amostra das relações sociais e do jogo de forças na ciência.

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Em 14 de dezembro de 1900, o físico alemão Max Planck (1858-1947) propôs que, na natureza, a energia é gerada e absorvida na forma de minúsculos pacotes (hoje chamados quanta) e não com um fluxo contínuo, como se acreditava. Foi um "ato de desespero" --palavras dele-- para resolver um problema em aberto à época: como os corpos aquecidos emitem luz e calor. Para ele, no entanto, os quanta eram só um artifício matemático, sem realidade física.

Cinco anos depois, Albert Einstein (1879-1955), então técnico do Escritório de Patentes da Suíça, aceitaria a realidade física dos quanta e, com base neles, proporia sua ideia mais revolucionária: a de que a luz é composta de partículas (hoje, denominadas fótons).

Há 50 anos, um embate semelhante entre real e irreal marcaria a história de um pesquisador estabelecido e um jovem físico. Suas ideias permitiram entender do que prótons e nêutrons são feitos.

Em abril de 1963, aos 27 anos de idade, o doutorando em física George Zweig passou os olhos em um dos muitos artigos sobre física de partículas publicados à época. Entre o emaranhado de números, símbolos e gráficos, algo laçou a atenção do estudante russo: os dados do experimento não mostravam a transformação (ou decaimento, no jargão científico) de determinada partícula em outras duas. Essa ausência lhe pareceu particularmente estranha porque a teoria então mais aceita exigia que aquela transformação fosse a dominante, a mais corriqueira.

Nem mesmo os autores do experimento --o texto era assinado por P. L. Connolly e colegas-- deram muita atenção ao fato. Alegaram que tal ausência se devia aos erros costumeiros de um experimento daquele tipo, envolvendo aceleradores de partículas e eletrônica sofisticada, típica da chamada física de altas energias. Zweig, porém, cravou a anomalia na memória.

Por que um jovem teórico conseguiu enxergar o que outros físicos mais experientes não viram? Em parte, porque a primeira tentativa de doutorado de Zweig (frustrada pelos resultados, que não saíram como ele esperava), havia sido em física experimental --ele, portanto, sabia interpretar resultados nessa área.

Mas uma explicação mais ampla, e também mais aceitável, é a de que Zweig era produto de uma época em que os físicos começavam a desconfiar de que partículas até então ditas elementares (indivisíveis) poderiam ser, na verdade, compostas por entidades menores.

Por exemplo, essa desconfiança recaiu sobre a partícula méson pi, logo depois de sua descoberta, em 1947 --que, por sinal, contou com a participação essencial do físico brasileiro César Lattes (1924-2005).

Além disso, o início da década de 1960 foi marcado por uma enxurrada de novas partículas. E ela trouxe confusão ao mundo dos físicos. Anos antes, o físico norte-americano Willis Lamb (1913-2008) já demonstrava preocupação com esse excesso de constituintes. Em seu discurso de aceitação do Nobel (1955), pronunciou uma das frases mais saborosas da história da premiação:

"Em outros tempos, o descobridor de uma nova partícula elementar era recompensado com um Prêmio Nobel; hoje, porém, tal descoberta deveria ser punida com uma multa de 10 mil dólares."

As palavras de Lamb têm razão de ser: até o final da Segunda Guerra, havia grande resistência por parte dos físicos em aceitar a incorporação de novos itens ao cardápio subatômico. Havia, então, o elétron (descoberto em 1897), o fóton (1905), o próton (1919), e o nêutron (1932), bem como dois componentes bizarros, o pósitron (1932), antimatéria do elétron (ou seja, um elétron de carga elétrica positiva), e o ainda hoje estranhíssimo múon (1937), primo "gordo" (de maior massa) do elétron.

Com novas partículas pululando às dezenas nos aceleradores no início da década de 1960, enxergar alguma ordem naquele zoo de fragmentos tornou-se quase uma obrigação. Havia esperança de encontrar similaridades entre as novas e as velhas partículas e, assim, poder classificá-las em grupos ou famílias, segundo essas propriedades comuns.

BUDA VERSUS DAVID À época, a mais famosa dessas tentativas de classificação foi o Eightfold Way, caminho óctuplo, um tipo de tabela periódica cujo nome é uma referência (e não mais do que isso) às oito práticas pregadas pelo budismo: visão, intenção, fala, ação, meio de vida, esforço, atenção e concentração.

O Eightfold Way, de 1961, pôs ordem na casa e, como a tabela periódica no século 19, permitiu fazer previsões, pois, nessa forma de agrupar as partículas, apareciam lacunas, ou seja, partículas que deveriam ocupar determinada posição --mais ou menos como um "buraco" deixado pela fala de uma peça em um quebra-cabeça.

A mais famosa dessas lacunas foi a ômega menos. Descoberta em 1964, essa partícula deu impulso às ideias ali propostas, de forma independente, pelos dois idealizadores dessa classificação, o físico norte-americano Murray Gell-Mann e o físico israelense Yuval Ne'eman (1925-2006), ex-combatente na guerra de independência de Israel (1948) --Gell-Mann ganharia o Nobel de Física de 1969 pelo Eightfold Way.

A referência ao número oito vem do fato de as partículas formarem --por um motivo então desconhecido-- grupos de oito, segundo certas propriedades. O físico John Gribbin, em "Q is for Quantum" (1998), conta que Ne'eman, em um estágio prematuro da elaboração do modelo, alimentou a esperança de ver aquelas partículas reunidas em grupos de seis, para que pudessem ser representadas pictoricamente pelas seis pontas da estrela de David.

Gell-Mann havia sido a primeira opção de Zweig como orientador de sua segunda tentativa de doutorado --dessa vez, em física teórica. Impedido de aceitá-lo como orientando, pois passaria uns tempos fora do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), para ser pesquisador visitante em outra instituição, o professor havia deixado boas recomendações de Zweig para Richard Feynman (1918-88) --que pouco depois se tornaria Nobel de Física (1965). "Se Murray diz que você é ok, então você deve ser ok", foi como Feynman disse "sim", segundo relato de Zweig.

Foi nesse momento que a atenção de Zweig se viu capturada pela tal anomalia. O aluno tentou discutir com seu orientador as implicações daquela ausência, mas Feynman não lhe deu muita trela --dispensou seu esforço, argumentando que experimentos sempre implicam possibilidade de erro. Anos depois, ele se desculparia pela arrogância que despejou sobre o orientando.

ANOMALIA NA CABEÇA Em 1963, recém-doutorado, Zweig embarcou para um período de um ano de pesquisa no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), na fronteira entre a França e a Suíça --hoje, a casa do acelerador mais potente do planeta, o LHC.

Enquanto estava ali, na tranquilidade de um chalé, rodeado de um pasto verde com vacas, ideias sobre a tal anomalia, bem como sobre similaridades entre partículas, começaram a se avolumar. Mas o "insight" viria de um artigo escrito pelo japonês Shoichi Sakata (1911-70) ainda em 1957.

No estudo, esse físico teórico japonês --conhecido por ser adepto do materialismo dialético-- propunha que boa parte das partículas então conhecidas era constituída por três "tijolos" básicos: próton, nêutron e a então recém-descoberta partícula lambda.

Sakata estava equivocado, e havia pontos obscuros em seu modelo. Porém, para Zweig, a classificação do colega japonês com base em uma tríade seria a semente para responder à pergunta basal: por que certas partículas se agrupavam em grupos de oito? E mais importante: por que ocorria a tal anomalia, que não permitia que essa partícula se transformasse em outras duas?

Zweig, ainda no Cern, propunha uma resposta: prótons e nêutrons, bem como tantas outras partículas, seriam formados por "blocos" ainda menores, que ele denominou "aces" (inglês para os "ases" do baralho, como também são conhecidos em português).

No modelo de Zweig, prótons e nêutrons, por exemplo, são formados por três ases cada um. Outras partículas, como o méson pi (ou píon), teriam dois ases. Hoje, aquelas com três ases são denominadas bárions; as com dois ases, mésons. Em tempo: Zweig ousou criar um quarto ás, para o qual tampouco deu nome, a fim de dar mais alcance ao seu modelo, que, desse modo, poderia agrupar ainda mais partículas. Hoje, esse quarto "tijolo" é denominado "charm". Aí estavam os quatro naipes do modelo criado por ele.

"Eu estava brincando novamente, como uma criança, mas agora com ideias e não com blocos para construir. Como a minha infância, essa foi uma época maravilhosa", recorda Zweig, em entrevista à Folha. O físico diz que, para a construção do modelo de ases, a influência do Eightfold Way --que, afinal, já havia posto alguma ordem na classificação das partículas-- "foi incidental". "Fui realmente influenciado pelo modelo de Sakata", responde.

O modelo de ases oferecia um bônus: explicava a anomalia que acompanhara Zweig por tanto tempo. Ao contrário do sugerido no artigo que captara sua atenção anos antes, a tal partícula (phi) não se transformava em duas outras (pi e rô), porque estas duas últimas eram formadas por ases diferentes daqueles que compunham a primeira. Portanto, a reação (phi pi + rô) era proibida.

Tudo se encaixava com elegância --critério importante para um modelo. Mas Zweig conta que, dada sua crueza, "era um milagre" que a hipótese dos ases permitisse não só classificar em grupos os bárions e mésons conhecidos, mas também explicar por que algumas transformações (decaimentos) ocorriam e outras não. Ou seja, além de classificatório, o modelo tinha poder explicativo.

Mas, para poder classificar as partículas e explicar o comportamento delas, o modelo teve que cometer o que para alguns era quase uma heresia: adotar uma carga elétrica fracionária para os ases (mais 2/3 ou menos 1/3). Para muitos, uma esquisitice e tanto --afinal, havia 50 anos que se acreditava que, na natureza, carga elétrica só poderia ter valores inteiros (+1, -1, +2, -2 etc.).

"PURO LIXO" Para apresentar o modelo de ases, Zweig preparou dezenas de páginas, com cálculos e muitos desenhos feitos à mão, na esperança de tornar as novidades mais palatáveis a seus colegas.

Mas, como conta Zweig em artigos recentes, o aspecto social da ciência começou a arreganhar os dentes: a) o chefe da divisão de física teórica do Cern, o belga Léon van Hove (1924-90), o proibiu de enviar o calhamaço para um periódico científico norte-americano de prestígio; b) instruiu a secretária a não datilografar nada que fosse dele --e Zweig não sabia datilografar; c) cancelou um seminário em que Zweig explicaria seu modelo.

O físico britânico Frank Close escreve, no livro "Infinity Puzzle" (2011), que Van Hove considerava a ideia dos ases "puro lixo".

Apesar dos esforços contrários de Van Hove, dois relatórios acabaram sendo publicados pelo Cern --hoje são documentos históricos (http://bit.ly/1lidS08 e http://bit.ly/1jDjfKK). Num deles, Zweig esboça o modelo; no outro, discute suas implicações. "Quando Van Hove publicou um livro reproduzindo artigos sobre o modelo de quarks [nome atual dos ases], não incluiu nenhum de meus dois relatórios [...] Van Hove deliberada e sistematicamente tentou manter meu trabalho alheio à opinião pública", disse Zweig em entrevista recente ao Cern (bit.ly/1qxfrzl).

Outra lição a respeito dos meandros sociais da ciência é que, nela, tanto quanto em outras áreas, ter uma boa ideia não basta. É preciso saber defendê-la de forma adequada. Na oportunidade que teve de apresentar seu modelo de ases, em Erice, na Sicília (Itália), perante a nata da física da época, Zweig --ainda no Cern-- não se saiu bem, como relata, em entrevista de 2002 para o arquivo de história oral do Caltech, o húngaro Valentine Telegdi (1922-2006). Presente na plateia, o renomado físico experimental diz que Zweig "não vendeu muito bem suas ideias".

REAL VERSUS IRREAL Do outro lado do Atlântico, de forma independente, Gell-Mann chegava a conclusões muito semelhantes às de Zweig quanto à constituição de bárions e mésons. No seu estudo, os constituintes básicos da matéria ganhariam o nome de quarks --palavra extraída do romance "Finnegans Wake", do irlandês James Joyce (1882-1941).

A essência dos dois modelos era basicamente a mesma: bárions e mésons são formados por constituintes menores. Mas havia entre os dois estudos uma diferença crucial: Zweig nunca deixou de acreditar na realidade de seus ases. "Sempre os tratei como partículas reais. Eles tinham dinâmica", explica o físico.

Dinâmica, no caso, significa que os ases saltavam de uma partícula para outra, giravam e rodavam um em torno do outro etc. "Qual seria o significado de tudo isso se eles não fossem reais?", relembra Zweig.

Em 1967, começariam a brotar os primeiros resultados de um experimento que se estenderia pelos próximos cinco anos no Slac, acelerador linear da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA). Nele, fazia-se colidir elétrons ultraenergéticos contra prótons. E a conclusão parecia ser clara desde o início: prótons eram de fato formados por estruturas menores.

Segundo Zweig, mesmo depois de cinco anos de resultados do Slac, Gell-Mann ainda não aceitava a realidade dos seus quarks. Mostra de seu descrédito foram dadas, por exemplo, numa palestra proferida por ele em 1972. Em sua comunicação, o professor diz que "os hádrons [grupo que reúne bárions e mésons] comportam-se como se fossem feitos de quarks, mas quarks não precisam ser reais". E, mais adiante, afirma textualmente que hádrons agem como se fossem feitos de quarks, mas frisa que "quarks não existem".

Zweig conta que, ainda no fim de 1964, recém-chegado aos EUA do Cern, tentou explicar o modelo de ases para Gell-Mann, que reagiu com ceticismo categórico: "Quarks concretos [reais]! Isso é para estúpidos".

A Folha contatou Gell-Mann para que ele desse sua versão da história. No entanto, a assessoria de imprensa do Instituto Santa Fé, no Novo México (EUA), instituição à qual ele está vinculado, alegou que o físico de 84 anos não poderia responder às perguntas, por seu frágil estado de saúde. Segundo os assessores, Gell-Mann disse que as respostas poderiam ser encontradas em seu livro "O Quark e o Jaguar" (Rocco, 1996, esgotado).

Na obra, lê-se a seguinte passagem (p. 182, edição norte-americana): "Numerosos autores, ignorando minhas explicações dos termos matemático' e real' [...], têm alegado que eu realmente não acreditava que os quarks estavam lá! Uma vez que tal mal-entendido se torna estabelecido na literatura popular, ele tende a se perpetuar, porque vários autores frequentemente copiam uns aos outros".

A explicação de Gell-Mann para seu suposto descrédito é descartada por uma advertência feita por Valentine Telegdi na mesma entrevista que se encontra nos arquivos do Caltech. Nela, o húngaro é peremptório: "Pessoalmente, acho que é preciso ser muito cauteloso, porque Murray [Gell-Mann] tem certa tendência a reescrever a história. Ele, claro, agora, diz que considerava os quarks como objetos físicos, e eu não acho que isso seja inteiramente verdade. Acho que ele os considerava como objetos matemáticos".

A dúvida entre real e irreal é um dilema corriqueiro no campo da física. A esse respeito, vale lembrar a carta de recomendação escrita por Max Planck para sustentar o ingresso de Einstein na prestigiosa Academia Prussiana de Ciências.

"Que ele, às vezes, tenha errado o alvo em suas especulações, como, por exemplo, em sua hipótese dos quanta de luz, não pode ser levado muito a sério, pois não é possível introduzir ideias verdadeiramente novas, mesmo nas ciências exatas, sem correr alguns riscos de vez em quando."

Em 1913, ao escrever a carta, Planck ainda acreditava que seu quantum era um mero artifício matemático. Einstein talvez tenha sido o único físico a acreditar na realidade dos fótons entre 1905, quando os propôs, até meados da década de 1920, tempos em que passaram a ser aceitos como reais.

REAÇÃO Zweig conta que, por vezes, a reação ao modelo de ases "não foi benigna". Ao tentar, ainda na década de 1960, uma posição na Universidade da Califórnia em Berkeley, sua candidatura foi barrada por um físico teórico sênior da instituição, Geoffrey Chew. Para o decano, o modelo de ases era obra de um "charlatão".

Hoje, passados exatos 40 anos da Revolução de Novembro, ninguém mais duvida da existência dos quarks (ou ases).

Em 1974, foi descoberta a partícula J/Y (jota/psi) que fincou na mente dos físicos a realidade desses constituintes da matéria.

Assim como a ômega menos, essa partícula foi prevista como um desdobramento do modelo de quarks (ou ases). Caso ela existisse, esses constituintes seriam reais; caso contrário, o modelo teria que ser revisto. A J/Y --que comprovou a existência daquele quarto ás (hoje, "charm")-- ganhou esse nome duplo por ter sido descoberta simultaneamente por dois grupos de pesquisa, que a batizaram com letras diferentes. O jeito foi juntar os nomes, para não privilegiar ninguém.

Hoje, conhecem-se seis quarks: além dos quatro propostos por Zweig --"up", "down", "charm" e "strange"-- outros dois, descobertos mais tarde, se somaram à lista --"top" e "bottom". As cargas elétricas de todos eles são (realmente) fracionárias: mais 2/3 ("up", "charm" e "top") e menos 1/3 ("down", "strange" e "bottom").

Os dois mais famosos bárions ficam assim: o próton é formado por dois up e um down (carga elétrica positiva), e o nêutron por dois down e um up (sem carga). Mésons são formados por um quark e um antiquark --este último é a antimatéria do quark, ou seja, um quark com a carga elétrica invertida. Sabe-se hoje que quarks nunca são vistos livres --eles são unidos por forças tão fortes que não podem ser separados.

Atualmente, há linhas de pesquisa que tentam saber se os quarks são ou não divisíveis, buscando responder a que talvez seja a mais fascinante pergunta do intelecto humano: do que, afinal, são feitas as coisas?

No mês passado, uma surpresa. Ao que tudo indica, deu-se a comprovação de uma esquisitice da qual se desconfiava havia anos: a existência de uma partícula formada por quatro quarks, a Z (4430), o primeiro tetraquark.

A esta altura vale ressaltar que o físico britânico Donald Perkins, em artigo recente, conta como, por "falta de imaginação e de confiança" dos físicos, os quarks não foram descobertos no Cern em... 1963! Segundo Perkins, os dados experimentais indicavam claramente que certas partículas eram compostas por entidades menores, ou seja, por quarks. E, assim, esses "tijolos" fundamentais acabaram nascendo da cabeça dos teóricos e não dos dados experimentais dos aceleradores.

AINDA É CEDO Em maio de 1968 --portanto, quatro anos depois do doutorado com Feynman-- Zweig encontra seu ex-orientador no Greasy ("sujinho" seria uma tradução tentadora para o nome da histórica lanchonete do Caltech). Feynman pergunta a Zweig sobre novidades, e ouve o ex-aluno repetir, pacientemente, a mesma ladainha que vinha recitando por anos: "ases". Para a surpresa de Zweig, Feynman desta vez diz: "Certo, vou dar uma olhada nisso". Foram precisos quase três anos para que, em outro encontro, Feynman disparasse para Zweig: "Parabéns, você estava certo". O físico norte-americano passara a acreditar que bárions e mésons tinham subestrutura e batizara esses constituintes pártons.

Em 1977, Feynman --conhecido por não recomendar ninguém para prêmio algum-- indicaria os nomes de Zweig e, surpreendentemente, dado o notório choque de egos entre os dois, Gell-Mann para o comitê do Nobel.

O esforço, porém, foi em vão: a Academia Sueca não considerou a teoria dos quarks merecedora da honraria.

Em seu livro "Constructing Quarks "" A Sociological History of Particle Physics" (1984), Andrew Pickering define os quarks como um elemento importante na transição entre a "velha" e a "nova" física de altas energias.

Enquanto a primeira buscava fenômenos corriqueiros --e os resultados experimentais costumavam guiar os físicos teóricos--, a segunda passaria a se orientar pela teoria e se voltar a atenção para a descoberta de fenômenos raros --entre eles, quarks.

Conta-se que o diplomata norte-americano Henry Kissinger certa vez perguntou ao líder do Partido Comunista chinês Zhou Enlai (1898-1976) o que ele achava da Revolução Francesa. A resposta teria sido: é muito cedo para dizer.

Talvez, meio século depois da proposição das ideias que mostraram que os prótons e nêutrons são divisíveis, seja prudente adotar uma posição semelhante quanto à história dessas partículas: afinal, os dois principais protagonistas dessa descoberta estão vivos, e seus relatos têm divergências importantes.

Mas o fato de comemorarmos o 50º aniversário de entidades que ficaram conhecidas como quarks --e não como ases-- é emblemático de como a história se constrói a partir de um jogo de influências, poder, hierarquia, prestígio e preconceito contra novas ideias. E de esquecimento. A física, é claro, está cheia de casos assim.

Em 1972, quatro anos após dobrar seu ex-orientador, Zweig alterou radicalmente sua carreira. Dedicando-se à neurobiologia, o homem dos ases veio a ganhar destaque internacional por seus estudos sobre como o som é representado no cérebro.


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