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Imaginação

prosa, poesia e tradução

Mapa e outros três poemas

WISLAWA SZYMBORSKA

TRADUÇÃO REGINA PRZYBYCIEN

Mapa

Plano como a mesa

na qual está colocado.

Debaixo dele nada se move

nem busca vazão.

Sobre ele -meu hálito humano

não cria vórtices de ar

e deixa toda a sua superfície

em silêncio.

Suas planícies, vales, são sempre verdes,

os planaltos, montanhas, amarelos e marrons

e os mares, oceanos, de um azul delicado

nas margens fendidas.

Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível.

Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,

acariciar os polos sem luvas grossas.

Com um olhar posso

abarcar cada deserto

junto com o rio logo ali ao lado.

Selvas são assinaladas com arvorezinhas

entre as quais seria difícil se perder.

No Ocidente e Oriente

acima e abaixo do equador -

assentou-se um manso silêncio.

Pontinhos pretos significam

que ali vivem pessoas.

Valas comuns e súbitas ruínas

não cabem nesse quadro.

As fronteiras dos países mal são visíveis

como se hesitassem entre ser e não ser.

Gosto dos mapas porque mentem.

Porque não dão acesso à dura verdade.

Porque, generosos e bem-humorados,

estendem-me na mesa um mundo

que não é deste mundo.

Tem aqueles que

Tem aqueles que cumprem a vida com mais eficácia.

Põem ordem em si mesmos e a seu redor.

Têm resposta certa e jeito para tudo.

Logo adivinham quem a quem, quem com quem,

com que objetivo, por onde.

Batem o carimbo nas verdades únicas,

atiram ao triturador fatos desnecessários,

e a pessoas desconhecidas

de antemão destinam fichários.

Pensam só o quanto vale a pena,

nem um instante mais,

pois depois desse instante espreita a dúvida.

E quando recebem dispensa da existência,

deixam o posto

pela porta indicada.

Às vezes os invejo

- por sorte isso passa.

Coação

Comemos a vida de outros para viver.

A falecida costeleta com o finado repolho.

O cardápio é um necrológio.

Mesmo as melhores pessoas

precisam morder, digerir algo morto,

para que seus corações sensíveis

não parem de bater.

Mesmo os poetas mais líricos.

Mesmo os ascetas mais severos

mastigam e engolem algo

que, afinal, ia crescendo.

Custa-me conciliar isso com os bons deuses.

Talvez crédulos,

talvez ingênuos,

deram à natureza todo o poder sobre o mundo.

E é ela, louca, que nos impõe a fome,

e ali onde há fome

finda a inocência.

À fome se juntam logo os sentidos:

o paladar, o olfato, o tato e a visão,

pois não é indiferente quais iguarias

e em quais pratos.

Até a audição participa

no que sucede, pois à mesa

não raro há conversas alegres.

Para o meu poema

Na melhor das hipóteses,

meu poema, você será lido atentamente,

comentado e lembrado.

Em uma hipótese pior,

apenas lido.

Terceira possibilidade -

escrito, de fato,

mas logo jogado no lixo.

Você pode se valer ainda de uma quarta saída -

desaparecer não escrito

murmurando satisfeito algo para si mesmo.


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