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Efeméride traz onda biográfica

JOCA REINERS TERRON

EM SUA ÚLTIMA entrevista, concedida à jornalista argentina Mónica Maristain e publicada pela "Playboy" mexicana no mesmo julho de 2003 em que morreria, Roberto Bolaño brincou com a ideia da posteridade: questionado acerca do que a palavra "póstumo" lhe despertava, afirmou que soava a "nome de gladiador romano". "Um gladiador invicto."

Adiantando-se à efeméride dos dez anos da morte do escritor, Maristain publicou no final de 2012, no México, "El Hijo de Míster Playa - Una Semblanza de Roberto Bolaño" (O filho de Mister Playa - Um perfil de Roberto Bolaño). Foi a primeira biografia dedicada ao chileno; uma leva está a caminho.

Diz-se que a herdeira dos direitos de Bolaño, sua viúva, Carolina López, prepara a sua por sugestão do agente literário Andrew Wylie; Ignacio Echevarría, "testamenteiro" do escritor (responsável pela edição de "2666"), redige perfil encomendado pela editora da universidade chilena Diego Portales, que publicou as entrevistas selecionadas por Andrés Braithwaite em "Bolaño por Sí Mismo".

Esses documentos têm sido antecedidos por livros concebidos em vida pelo autor -tais como "El Gaucho Insufrible" ou os poemas reunidos em "La Universidad Desconocida"- e por fundos de gaveta -como "O Terceiro Reich" e "As Agruras do Verdadeiro Tira".

Entre uma e outra obra, a posteridade de Bolaño vem se assemelhando perigosamente à segunda parte de seu romance "Os Detetives Selvagens", na qual personagens depõem sobre as múltiplas facetas de Arturo Belano -alter ego do autor- e Ulises Lima, sem nunca completar um retrato.

Nesse aspecto, a biografia inaugural é assombrada pela ausência de Carolina López, que se recusou a contribuir com Mónica Maristain. Questionada sobre se esse silêncio diminuía a importância de suas 362 páginas, a autora respondeu com três letras: "Não".

O relato afetuoso e parcial da jornalista expõe a separação de Bolaño e Carolina e revela a namorada catalã do escritor, Carmen Pérez de Vega, que o acompanhou na última noite. O depoimento de Carmen (vazio certeiro do perfil a ser publicado pela viúva) é o trunfo de "El Hijo de Míster Playa".

Construído sobre longas entrevistas, o livro retrata as horas derradeiras de Bolaño sem pudor, o que causou desagrados: "De cara, gerou a indiferença da viúva, empenhada em apagar de sua vida sua última mulher", diz Maristain. Mas não só: "Também tive problemas com Carmen, que esperava que atenuasse as partes mais duras". Essas partes, se são duríssimas, comovem pela valentia de Bolaño, que, em meio à crise hepática, só queria imprimir o original de "El Gaucho Insufrible" para levá-lo à editora. E assim o fez.

Bolaño subsiste como polemista ácido, amante sedutor, amigo cômico e escritor apaixonado pela leitura. Se Mónica Maristain pudesse lhe fazer mais uma pergunta, qual seria? "Perguntaria se gosta da literatura de Jonathan Franzen". Impossível saber, mas feliz do americano -exímio observador de pássaros- que pode apreciar a ave rara que é Roberto Bolaño.


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