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Crítica História
Crise argentina vira quase 'thriller' em livro de ministro
Episódios como calote ao FMI são narrados em primeira pessoa por autor
Contados em pormenores, o calote no FMI (Fundo Monetário Internacional) e o fim do congelamento da poupança soam quase como um "thriller" no livro do ex-ministro da Economia da Argentina Roberto Lavagna.
"O Desafio da Vontade", lançado no Brasil pela editora 34, narra episódios diários do pior momento da crise argentina, iniciada em 2001 e que levou o país a um dos raros calotes já dados em organismos multilaterais --algo antes só experimentado por países como Libéria e Vietnã.
A proposta de Lavagna, um economista de linha assumidamente heterodoxa, é descrever o período entre abril de 2002 (quando assumiu o Ministério da Economia, a despeito da recomendação contrária de amigos) e maio de 2003 (quando o país emergia da crise).
No período de pouco mais de um ano, o governo argentino liberou os depósitos congelados ("corralito" e "corralón") e, ao mesmo tempo, levou a inflação de mais de 10% ao mês para um número ao redor de zero.
Além disso, reverteu a queda do PIB (Produto Interno Bruto), que àquela altura era de impressionantes 16%, e com isso assegurou a vitória de Néstor Kirchner (então aliado) nas eleições de 2003 frente a Carlos Menem e sua principal bandeira, a "redolarização" da economia.
O feito encorajou o economista a tentar a Presidência em 2007, mas ele foi derrotado pelo antigo aliado Kirchner. Ainda hoje, há especulações de que possa voltar a tentar a ocupar a cadeira.
LOBBIES E MENTIRAS
A maior parte das 352 páginas, contudo, é dedicada à negociação dura com o FMI e como, na sua versão, os tecnocratas do Fundo agiram contra o país.
Lavagna narra reuniões com presidentes de países, empresários, ministros e dirigentes desses organismos globais e revela episódios que, a seu ver, foram motivados por lobbies, incoerências e até mentiras.
Um exemplo que enrubesceria Anne Krueger (então vice-diretora do FMI) é a descrição de um diálogo com o negociador da dívida, John Thornton. Segundo Lavagna, o economista teria sugerido como saída à crise bancária nada menos do que a hiperinflação.
Em que pese certo proselitismo, há de se concordar que requer sangue-frio a decisão de assumir um calote de uma dívida que, àquela altura, superava US$ 30 bilhões (com FMI, BID e Banco Mundial).
O cenário descrito pelo ex-ministro no livro é que a Argentina não tinha o dinheiro necessário para pagar e o país entrava em uma espiral de pobreza e ruptura social. Onze moedas diferentes circulavam nas províncias e muitos governantes defendiam a volta à dolarização. Lavagna não arredou o pé na volta à moeda própria.
Até 2005, quando saiu do governo, ele organizou a troca dos títulos da moratória com investidores internacionais. Aplicou um deságio no valor dos papéis, o que não foi aceito por todos os credores --o que ainda é questionado internacionalmente.
Lavagna foi ministro de Néstor Kirchner, com quem rompeu em 2005. Nas suas palavras, considera que o país chegou a um "delta lamacento", após desperdiçar a "chance única" de seguir no caminho próprio aberto em 2002, quando rejeitou o receituário do FMI.
No epílogo, lamenta que o esforço do país tenha desembocado nas águas turvas da política de agora.
Afora incorreções que incomodam, como a que diz que Lula venceu no primeiro turno em 2002, o livro é um relato interessante, mesmo para os que defendem posições ortodoxas.
"O DESAFIO DA VONTADE - TREZE MESES CRUCIAIS NA HISTÓRIA DA ARGENTINA"
AUTOR Roberto Lavagna
EDITORA 34
QUANTO R$ 54 (352 págs.)
TRADUÇÃO Jonas Rama
AVALIAÇÃO Bom