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Entrevista - Roberto de Marca

Foco hoje é em finanças e marketing, não inovação

presidente de associação de engenheiros critica obsessão de empresas com curto prazo e com resultados trimestrais

RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO

A relação entre um mundo mais voltado para as finanças e a inovação é um tema que atrai a atenção do engenheiro carioca José Roberto Boisson de Marca.

Para ele, a relação é conflituosa. O foco no curto prazo representando pelo esforço para dar ao mercado bons resultados trimestrais, impactando positivamente o valor das ações da empresa, pode se chocar com o desenvolvimento tecnológico, cujos frutos são mais lentos.

Marca, que é presidente do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), com 400 mil membros em 160 países, aponta ainda que a falta de investimento das empresas brasileiras em pesquisa não é consequência da falta de recursos, já que as margens aqui não são pequenas.

Folha - Muito se fala de falta de engenheiros, mas, por outro lado, muitos profissionais pintam um cenário menos otimista sobre a profissão. A engenharia vai bem ou mal?

José Roberto Boisson de Marca - O pessoal foi seduzido pela área financeira, pelos ganhos no curto prazo. Como a engenharia não é assim, ela ficou desvalorizada.

No nível pessoal, a engenharia demora, o sujeito leva anos para ter um salário alto, não acontece de repente. Isso sem falar que há uma imagem errada da engenharia, de que é coisa de nerd, é algo que precisamos desmistificar.

Além disso, as empresas passaram a dar muita importância ao marketing, a outras áreas desvinculadas da produção em si, e o gasto com engenharia foi se reduzindo proporcionalmente.

Mas isso é um fenômeno internacional.

Sem dúvida. Eu estava pouco tempo atrás na Alemanha discutindo como o setor de tecnologia estava sendo menos valorizado do que outros nas empresas daquele país. Já ouvi isso de muitas pessoas, em muitos lugares.

O foco no curto prazo afeta o perfil das pesquisas que são feitas nas empresas, imagino.

Sim. Hoje a pesquisa nas empresas é muito aplicada, muito de curto prazo.

Na pesquisa básica, o sujeito precisa ficar dois anos pensando, estudando o problema. Ele precisa ter a garantia de que vai poder continuar trabalhando.

Mas hoje é muito importante apresentar um bom balanço trimestral aos acionistas, mostrar resultado no curto prazo, cortar custos para melhorar a próxima divulgação dos resultados. Isso não estimula a inovação.

No passado, no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990, eu trabalhei no Bell Labs [lendário departamento de pesquisa da AT&T, nos EUA, que ganhou nada menos do que sete prêmios Nobel entre 1937 e 1983].

Embora existam algumas exceções, aquele ambiente de pesquisa sem nenhum sentido de retorno vai ser difícil de continuar ocorrendo em empresas, infelizmente.

No lado do ensino, se critica a grade tradicional das escolas.

De fato, as nossas escolas de engenharia seguem um modelo de ensino um pouco ultrapassado. Os currículos são um pouco antigos, algo que é difícil mudar.

O que teria de mudar?

Em primeiro lugar, você vai querer hoje um engenheiro mais multidisciplinar, e os currículos ainda são muito fechados nas áreas tradicionais. O ideal seria que o estudante tivesse uma versatilidade maior.

Além disso, há outras habilidades muito cobradas do engenheiro hoje. Ele tem de trabalhar com equipes do mundo inteiro, por exemplo. Outra coisa importante é que ele tem de entender de regulação, de legislação.

No que mais as universidades deveriam mudar?

Um outro problema é a noção predominante de que todas as universidades tem de fazer pesquisa, de que todo professor universitário tem de ser um pesquisador.

É ótimo que ele seja, mas você pode ter ótimas escolas de terceiro grau com pessoas que dão aulas excelentes, que se atualizam, mas que não são pesquisadores. Hoje as instituições de ensino precisam fazer pesquisa para ter autorização para se expandir.

Um bom modelo seria ter algumas universidades centrais com pesquisa de ponta e outras com o papel de formação, de excelência no ensino.

Além disso, há muitos incentivos ao pesquisador que publica muitos artigos científicos, mas não se mede qual o impacto da sua produção em tecnologia, na indústria. Isso não deveria ser assim.

O problema está muito mais ligado com o fato de as empresas brasileiras pesquisarem pouco, não?

Sim, falta inovação. E veja que em vários setores, como telecomunicações, a margem de lucro no Brasil é alta. Então há disponibilidade de recursos. Mas a criação de postos na área de pesquisa das empresas é muito pequena.

Há aqui uma aversão ao risco. No exterior, há menos resistência. A opção costumar ser comprar tecnologia. Já as multinacionais preferem investir nisso no exterior.

Isso é algo que me deixa meio preocupado. Até temos aumentado nossos investimentos em inovação, mas em um ritmo menor do que os outros países.


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