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Entrevista - Caio Koch-Weser

Ignorar sustentabilidade é um erro econômico

Para ex-vice-ministro de finanças alemão, com incentivos e preços corretos, mercado garantirá inovação necessária

MARCELO LEITE DE SÃO PAULO

Um economista que chega a vice-ministro de Finanças da Alemanha, como Caio Koch-Weser, não tem tempo para platitudes sobre o aquecimento global.

São os números que interessam, e eles não faltam sempre que o brasileiro de Rolândia (PR) fala sobre mudança climática e desenvolvimento sustentável, como em palestra recente no Instituto Fernando Henrique Cardoso. Um deles: superam US$ 500 bilhões os subsídios anuais concedidos no mundo a combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) que agravam o efeito estufa.

É a melhor resposta para quem acha que as energias alternativas são caras e só sobrevivem com subsídios.

Koch-Weser considera que é hora de atribuir um preço ao carbono --ou seja, ao CO emitido na queima desses combustíveis-- e dar ao mercado os sinais certos, sem escamotear efeitos colaterais, como o aquecimento global.

"Quero que o mercado funcione, com os incentivos e preços corretos", diz o vice-presidente do Deutsche Bank. "Precisamos da iniciativa e das inovações de empresas."

Koch-Weser está preocupado com a entrada de 3 bilhões de pessoas na classe média mundial, nos próximos 25 anos, porque não haverá terra e outros recursos naturais para garantir-lhes padrões de consumo --energia, gasolina, carne-- comparáveis aos dos americanos.

Para ele, o Brasil ocupa situação privilegiada, mas acha que virá da China, antes, a liderança tecnológica para desenvolver uma economia de baixo carbono.

Leia a seguir trechos da entrevista realizada por telefone desde o Rio de Janeiro, onde Koch-Weser participou da conferência Urban Age, do Deutsche Bank e da London School of Economics.

Folha - A agenda da mudança climática é uma agenda anticapitalista?
Caio Koch-Weser - De modo algum. Quero que o mercado funcione, com os incentivos e preços corretos. Precisamos da iniciativa e das inovações de empresas, o que só se consegue obter numa economia de mercado.
Acredito firmemente que precisamos do que chamo de coalizões de empresas progressistas, como faz a Unilever com outras companhias para a descarbonização de sua cadeia de suprimentos. O setor privado diz: dê-me um preço para o carbono que eu dou conta do recado.

A mudança climática é a única razão para buscar uma economia de baixo carbono?
Gosto de falar de um triângulo: terra, água e energia. Se esse triângulo interdependente for administrado da maneira correta, é claro que terá impacto no clima.
Uma das crises principais será a da água. Basta olhar para o Oeste dos EUA, a China, a Índia. Já o Brasil tem tudo --terra, água e energia. É uma responsabilidade e uma oportunidade.
No futuro teremos de medir a produtividade também pelo uso eficiente de recursos, como medimos hoje a produtividade do trabalho. A qualidade será mais importante que o ritmo, a velocidade e a quantidade de crescimento.

Por que um investidor deveria buscar oportunidades em empresas com metas ambientais? Buscar rentabilidade não é sua primeira responsabilidade?
Cada vez mais os conselhos de administração estão pensando no longo prazo, mais até que os governos. As grandes empresas estão pensando em infraestrutura, investimentos em energia e tecnologia que vão além do ciclo eleitoral dos políticos.
Se elas olharem para essas questões de maneira corajosa, vão chegar à conclusão de que correm um risco se não as entenderem direito, por causa da escassez de recursos naturais, da poluição, da política de clima ou da mudança de comportamento.
Eu sou otimista: cada vez mais os investidores institucionais, empresas de resseguros e fundos de pensão estão exigindo o que se chama de sustentabilidade ambiental, social e de governança [ESG, na abreviação em inglês]. As empresas que se saírem bem vão receber um prêmio no modo como se financiarão.
Não chegamos ainda lá, mas estamos entrando num rumo que pode envolver trilhões em investimentos. Precisamos de um sistema integrado de balanços, além do financeiro, que inclua a sustentabilidade. Isso, sim, seria uma grande ajuda, mais do que qualquer acordo entre governos.

Até a crise de 2008, a questão do ambiente global era promovida pela União Europeia, emperrada pelos EUA e aceita com desconfiança por países emergentes. Em que medida se alteraram esse equilíbrio e seus impasses?
A crise financeira e econômica de 2008 nos fez andar para trás. Eram tantas as crises para administrar, na Europa e noutros países, que se tornou muito difícil para os políticos e para o público em geral pensar no longo prazo.
Mas está voltando. A oportunidade é pensar, ao sair da crise, no que serão os futuros vetores e motores do crescimento e da competitividade numa economia de baixo carbono, de enxergar não só os custos da infraestrutura e da tecnologia, mas também as oportunidades.
Esse é o debate entre muitos economistas, os ortodoxos e os da nova economia. Os grandes nomes estão começando a entender que a teoria e a análise econômicas não favorecem a consideração desses riscos de longo prazo.
A China já entendeu isso. Está trabalhando em energias renováveis e novas tecnologias, também como uma oportunidade para exercer liderança tecnológica.

A frota de veículos na China está alcançando a dos EUA. O país tem reservas de carvão para mais de 50 anos e já é o maior poluidor do planeta. É realista esperar que reduza suas emissões de carbono?
Eles simplesmente não têm como evitar isso. Por simples matemática, se extrapolarmos os números para o futuro, os níveis de poluição das cidades, que já estão entre os piores do mundo, não serão toleráveis.
A liderança na China é muito qualificada, são engenheiros que entendem a ciência, a tecnologia. Mas você está certo em dizer que a China andou na direção errada.
A questão agora é a demanda popular. A poluição em Pequim e outros lugares, hoje, é tão ruim que já causa distúrbios sociais, por causa dos efeitos imediatos na saúde. A legislação aprovada em junho tem grande alcance. Eles vão atingir o máximo da produção de carvão mineral, em termos absolutos, antes do previsto, antes de 2020.
Eles têm a capacidade política e administrativa para fazer a coisa certa.
Será interessante ver, no mês que vem, o plano de reformas da nova liderança. Haverá muita ênfase em sustentabilidade, tecnologia, transportes, sistema de energia e cidades.
Acho que a capacidade institucional, que tantos outros países não têm, é muito melhor na China.

E eles têm a vantagem de ser uma ditadura. É mais fácil implementar essas medidas do que numa democracia.
Eu diria que eles têm a disciplina e um sistema administrativo que pode tornar a execução muito melhor. Veja os outros países --eles podem ter as políticas corretas, mas a execução é ruim.

O governo brasileiro reduziu a emissão de carbono ao conter o desmatamento. Mas o modelo de desenvolvimento baseado na indústria automobilística, no pré-sal, no uso crescente de termelétricas e nas commodities agrícolas não vai na direção oposta?
Não acho que seja uma questão de preto ou branco. Primeiro, a sociedade civil no Brasil, seu governo e o setor privado estão mais conscientes das questões de sustentabilidade. Fiquei encorajado com as discussões que tive aqui. No que respeita ao desmatamento, as políticas são boas. Podem ser aperfeiçoadas, mas a verdadeira questão, como em outros países, é a execução. É uma tarefa enorme, num país como o Brasil.
Em segundo lugar, é preciso precaver-se para não andar para trás, por causa do processo político. O Brasil tem uma oportunidade enorme de combinar crescimento com sustentabilidade. Em grande medida já é sustentável, quando se considera a energia hidrelétrica, o etanol.
Com as políticas e os incentivos corretos, e capacidade institucional, o Brasil tem mais condições que outros países para fazer essa transição e até liderá-la.

Leia a íntegra
folha.com/no1365578


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