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Operação atípica fez OGX, de Eike, 'perder' US$ 40 mi

Comissão muito acima da média foi paga a empresa desconhecida, para obter serviço que não foi usado

Campeão mundial de jogo de cartas intermediou contato; plataforma, alvo do negócio, está inacabada

RAQUEL LANDIM RENATA AGOSTINI ENVIADAS ESPECIAIS AO RIO

Cinco meses antes de quase quebrar, a OGX, do empresário Eike Batista, pagou uma comissão de US$ 40 milhões a uma empresa desconhecida de Hong Kong para intermediar a instalação de uma plataforma de petróleo.

Depois que o dinheiro foi pago, a petroleira desistiu do serviço e a construção do equipamento foi abandonada. Ou seja, pagou-se uma comissão milionária para nada.

A World Engineering Services (WES), de Hong Kong, foi contratada para atuar como uma espécie de corretora para intermediar o aluguel do navio que faria a instalação da plataforma. A comissão da corretora foi paga sem nenhum contrato entre a OGX e a empresa dona do navio, a italiana Saipem.

O valor da comissão ficou muito acima da média do mercado. No setor de petróleo, corretores de navios cobram de 1% a 4% do montante do contrato. A WES recebeu 16% dos US$ 250 milhões que a Saipem cobraria para alugar o navio se a operação fosse efetivamente concluída. A empresa de Hong Kong nem sequer aproximou OGX e Saipem, pois elas já negociavam havia meses.

A Folha conversou com nove consultores e executivos de empresas de petróleo, mas nenhum deles conhece a WES. Uma pesquisa em um completo banco de dados, utilizado por bancos para fazer um raio-X de empresas, não encontrou negócios feitos pela WES ou o nome dos seus executivos, mas apenas o número de registro da companhia em Hong Kong.

A Folha foi ao endereço da WES que aparece no contrato com a OGX e constatou que lá funciona uma empresa chamada Trident Trust, que presta serviços financeiros para bancos, advogados e pessoas muito ricas, com sede em vários paraísos fiscais.

Por telefone, a recepcionista informou que a WES é cliente da Trident Trust e utiliza seu endereço.

"MILAGRE"

O contrato com a WES, obtido pela reportagem, foi assinado em 28 de março pelo ex-presidente da petroleira Luiz Carneiro e pelo ex-diretor de relações com mercado Roberto Monteiro. Apenas 42 dias depois, a WES conseguiu o que executivos envolvidos no negócio consideram "milagre": furou uma fila de nove meses e convenceu a Saipem a instalar a plataforma para a OGX em janeiro de 2014.

De acordo com o contrato, a missão da WES era "encontrar um navio-guindaste capaz de erguer 14 mil toneladas", que estivesse disponível para vir ao Brasil no primeiro trimestre de 2014.

A gigantesca embarcação instalaria uma plataforma fixa chamada WHP-2 no campo de Tubarão Martelo, na bacia de Campos (RJ).

O problema é que só existem dois navios no mundo que levantam tanto peso: um da Saipem e o outro da holandesa Heerema.

Executivos da OGX e da OSX (empresa do grupo encarregada de contratar construção e instalação das plataformas) negociaram com as duas companhias, mas os navios estavam alugados na data pretendida. O máximo que conseguiram foi o compromisso da Saipem de fazer o serviço em outubro de 2014.

O único documento que confirma a mudança do serviço para janeiro de 2014 é um e-mail enviado em 9 de maio pelo então presidente da Saipem no Brasil, Giuseppe Surace, a quatro executivos da OGX e também a um endereço de e-mail geral da WES --o representante da empresa de Hong Kong não se identifica.

No dia anterior, 8 de maio, a OGX já havia pago US$ 10 milhões à WES, valor garantido por contrato mesmo que o corretor não conseguisse o navio. Bastou o e-mail de Surace, da Saipem, para que a OGX pagasse o restante da comissão: US$ 10 milhões no dia 10 de maio e US$ 20 milhões no dia 23 de maio.

O dinheiro saiu da conta da OGX no JPMorgan Chase e foi creditado na conta da WES no Standard Chartered Bank.

CONTRATO DE RISCO

"O contrato com a WES era de risco. Gastamos US$ 40 milhões na expectativa de ganhar US$ 300 milhões antecipando a instalação da plataforma, o que infelizmente não foi possível", disse Carneiro à Folha.

Segundo ele, um atraso de nove meses no início da operação da plataforma significaria uma perda de US$ 300 milhões em receita.

Executivos envolvidos no negócio dizem que antecipar a instalação da plataforma era vital para vender uma fatia de Tubarão Martelo para a Petronas. A estatal malasiana chegou a anunciar a compra de 40% do campo por US$ 850 milhões, mas o negócio não se concretizou.

O JOGADOR DE CARTAS

Com 35 anos de experiência no setor de petróleo, Carneiro nunca havia feito negócios com a WES nem a conhecia. Ele diz que entrou em contato com a empresa por meio de Gabriel Chagas, conhecido por ser campeão mundial de bridge, um jogo de cartas popular no exterior.

O ex-presidente da OGX afirma que conhecia Chagas "socialmente" e que o consultor soube do problema "num almoço". Chagas, por sua vez, diz que colocou a OGX em contato com o francês René Hagege.

Em entrevista por telefone, Hagege se apresentou como dono da WES. Ele diz que negociou com o cliente da Saipem que havia reservado o navio para janeiro de 2014, liberando a data para a OGX, mas não revela o nome da empresa. A Saipem nega o contato.

A empresa italiana diz que "a WES atuou como consultora da OGX", mas não explica oficialmente como foi possível antecipar a data da instalação da plataforma, informando que "é prática comum acomodar pedidos".

O "milagre" da WES nunca rendeu benefícios para a OGX. Um mês depois de a empresa de Hong Kong receber sua comissão, o grupo EBX parou de pagar à Techint, que construía a plataforma.

Segundo executivos envolvidos, um empréstimo do BNDES não foi liberado.

Nos meses seguintes, a OGX oficializou que suas reservas de petróleo eram muito menores que o divulgado, embora já tivesse estudos que indicassem isso um ano antes. As reservas de Tubarão Martelo foram reduzidas para cerca de um terço.

A plataforma --cuja instalação era tão urgente que justificava uma comissão de US$ 40 milhões a um corretor-- está inacabada no litoral do Paraná. Eike tenta vendê-la para pagar dívidas do grupo.


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