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Marcelo Miterhof

Ajustes e conflitos

Para os mais pobres, durante o ajuste cambial, é melhor 3 pontos a mais de inflação do que crescer 2 pontos a menos

É consenso neste início de ano eleitoral que a política econômica brasileira precisa passar por um ajuste, se não agora, pelo menos em 2015. Mesmo discordando do pessimismo de quem olha para indicadores artificiais, como a meta central de inflação e a de superavit primário, sigo a avaliação.

A piora do saldo do balanço de pagamentos brasileiro e a redução dos estímulos monetários nos EUA, que tendem a apreciar o dólar, provavelmente aprofundarão a desvalorização do real por um bom período.

Na década passada, a apreciação cambial permitiu distribuir renda, crescer e manter a inflação baixa. Foi possível ao PT conjugar sua prioridade política, melhorar a vida dos mais pobres para tornar o país mais igualitário (e rico), com o aumento de renda em todas as camadas sociais. Sem grandes conflitos distributivos, portanto.

A desvalorização em curso é ruim porque significa perda para os salários reais. Mas também é boa porque favorece a competitividade da produção local, criando melhores condições para alinhar o crescimento do consumo gerado pela inclusão ao da produção. Para tanto, ajustes são necessários. Resta saber quais.

O liberalismo econômico tem sua receita: elevar juros e cortar despesas públicas --ou fazer ajuste fiscal, mesmo que pelo aumento da carga tributária-- para conter a inflação e recuperar a confiança do investidor.

Quem já tem renda alta e, assim, é capaz de poupar tende a apoiar esse ajuste. Os juros altos significam ter de volta aplicações financeiras seguras e rentáveis em títulos públicos. Ademais, a princípio, todos gostamos de inflação baixa.

O problema é que esse tipo de ajuste tende a significar uma recessão, o golpe que faltava para que, diante da depreciação cambial, seja revertida a trajetória de aumento dos salários reais, peça fundamental do esforço inclusivo.

A taxa de câmbio mais depreciada não será suficiente para provocar a retomada. Afinal, tal como os juros, um câmbio mais favorável é importante para normalizar as condições de produzir localmente, mas por si só não oferece a demanda, o componente central para as decisões de investimento no capitalismo.

Sem as boas condições de balanço de pagamentos do governo Lula, a aplicação rígida do "tripé da política econômica" seria letal para as prioridades do PT. Essa é uma expressão de um conflito distributivo que se avizinha no país.

A alternativa é insistir em suas prioridades, reforçando o investimento em geral em infraestrutura e os gastos nas políticas públicas, com destaque para mobilidade urbana, saúde e educação. Para tanto, um outro tipo de ajuste é necessário.

Será preciso aceitar que a inflação anual pode ser maior que 4,5% e até que 6,5%. Não se trata de deixar, como na Argentina, que se crie uma espiral entre preços e câmbio. Porém, para os mais pobres e os assalariados, durante o ajuste cambial, é melhor ter dois ou três pontos percentuais a mais de inflação, como ocorreu na depreciação de 2002, do que dois ou um ponto percentual a menos de crescimento.

Desde o fim do câmbio fixo, em 1999, a regra é que a meta de inflação não é cumprida quando há depreciação real da moeda brasileira. Os anos de 2012 e 2013 foram exceções, explicadas pelas desonerações e outras ações com impacto fiscal.

Outra possibilidade é mudar as metas de superavit primário, que poderia se tornar uma banda, em vez de um piso fixo. As condições fiscais brasileiras, com dívida pública baixa para os padrões internacionais, permitem tal relaxamento.

Numa opção por um certo conservadorismo, há algumas fontes de ganho fiscal, que enfrentam conflitos mais localizados e, por isso, mais diretamente dolorosos.

A mais evidente é cortar grande parte das desonerações, que recompôs margens de lucro, porém sem trazer crescimento, e se tornou desnecessária com a depreciação cambial. Há ainda medidas como a contenção salarial de servidores federais bem remunerados e a eliminação de grandes focos de problemas, como o seguro-desemprego, cujos dispêndios têm sido crescentes mesmo com o emprego em alta.

Dada a histeria que costuma pautar o debate em torno do tripé, será difícil fazê-lo em base racional durante a eleição. Nesse sentido, uma boa contribuição do jornalismo econômico seria buscar melhor entender essa discussão, tornando-a mais plural e bem especificada. É o tema da semana que vem.

marcelo.miterhof@gmail.com


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