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Entrevista Antonio Delfim Netto

Querer o preço justo é o novo 'encosto' do governo

Controlar os valores de bens e serviços é voltar ao século 13, diz economista, para quem o plano real é obra inacabada

ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO

O Plano Real é uma obra inacabada. Isso ajuda a explicar por que o Brasil enfrenta o risco de rebaixamento pelas agências de classificação de risco em 2014.

A opinião é do economista e ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto.

Para ele, embora seja injusto incluir o Brasil no grupo de mercados emergentes vulneráveis, a perspectiva do país é ruim.

A situação seria diferente se os governos das últimas duas décadas tivessem perseguido o equilíbrio fiscal previsto no Plano Real.

"O governo nunca terminou o Plano Real. Sempre se tergiversou, sempre se procurou a reeleição."

Apesar da ameaça de rebaixamento, o ex-ministro acredita que o pessimismo em relação ao país é exagerado.

Folha - O senhor está preocupado com a economia?

Antonio Delfim Netto - Eu acho que há muito mais pessimismo do que o justificado pela realidade. A situação é muito delicada no mundo. O mundo está melhorando lentamente. Sinto que há um desânimo, um pessimismo que é muito maior do aquilo que seria justificado pelo que está acontecendo no Brasil.

Agora você tem um novo grupo, o grupo dos vulneráveis. Os indicadores do Brasil são muito superiores aos dos outros, da Índia, da Indonésia, da Turquia.

Na minha opinião, é um absurdo, um exagero juntar o Brasil a esse grupo. Nós não temos mais o pecado original de ter a dívida em dólar. Nossa dívida é em reais. O Brasil não tem o menor risco de quebrar. O câmbio é flutuante.

E o México? Está, de fato, muito melhor do que o Brasil?

O México está construindo condições melhores que o Brasil. Por que o México recebeu uma promoção na nota de rating e o Brasil está ameaçado de perder a nota?

O México cresce menos do que o Brasil, mas está fazendo as reformas que são necessárias. Está usando melhor os instrumentos de mercado.

O Brasil está numa situação bastante razoável. Nosso deficit fiscal é 3% do PIB, nossa dívida é 60% do PIB. Nada disso é trágico. Mas a perspectiva é ruim.

Por que a perspectiva é ruim?

Porque o que tem de acumulado de maluquice no Congresso em matéria de despesa é para acabar com o mundo, não é para acabar com o Brasil. Essa perspectiva é que dá esse mal-estar. A inflação está batendo no teto mesmo, tem um pouco escondida. Mas não tem nada de trágico, que você diga que vai perder o controle.

O câmbio está flutuando. O mercado fez o que o governo estava acovardado. O câmbio subiu porque o mercado impediu que o governo continuasse a usá-lo como instrumento de combate à inflação.

Esse câmbio destruiu o setor industrial brasileiro.

Tem volta isso?

Claro que tem. Vai demorar 14, 15 meses, mas o câmbio vai ter o seu efeito.

Se você olhar direito a questão da valorização do câmbio, isso começou no governo Fernando Henrique. Você valorizou, você roubou a demanda externa da indústria brasileira. Depois, você valorizou tanto que roubou a demanda interna.

O sr. acha que seria justo o Brasil sofrer rebaixamento da nota soberana?

O rebaixamento não é que seria justo, você está com a mania do governo [risos]. O governo quer preço justo. O governo tem alguns encostos. O novo é o preço justo. Ele quer agora na Copa controlar o preço dos transportes, da hospedagem, das passagens. Como se isso fosse possível.

Voltaram para são Tomás [de Aquino]. Só que no século 13 não tinha concorrência. Por isso era preciso princípios éticos para impedir o abuso nos preços. Aqui não, aqui tem competição.

Como é que se divide um bem finito cuja demanda é maior que ele? Se a demanda de metro quadrado de hospedagem é maior que a oferta de metro quadrado, quem é o sortudo que vai ficar?

Só tem dois jeitos de dividir. Um é pela força. Vai a polícia e diz: "Você vai entregar para ele". Só que pela força nós já sabemos que não funciona porque ou vai ter corrupção ou vai reduzir a oferta.

A outra é o mercado. A gente pode discutir a ética disso, se é eticamente razoável o sujeito que tem um pouco mais de renda poder assistir ao jogo de futebol ou não. Isso é possível. O que é impossível é decidir quem vai assistir ao jogo de futebol, a não ser que eu tenha a polícia na frente.

Por que o ímpeto para avançar em reformas não ocorre no Brasil?

Porque nunca decidimos fazer de verdade a coisa certa. Nós fizemos um plano de estabilização brilhante, que é o Real. O Plano Real é uma joia do ponto de vista da teoria econômica aplicada no combate à inflação.

Mas nunca o governo terminou o Plano Real. Nunca ousou pôr o equilíbrio fiscal que ele exigia. Nunca se fez isso, sempre se tergiversou, sempre se procurou a reeleição. O Real nunca terminou.

Esse é um negócio que nos acompanha por todos os últimos governos.


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