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Marcelo Miterhof

O caos do Rio

Busca por uma nova forma superior de organização exige mexer com os atuais confortos individuais

O centro do Rio está um caos. As obras do Porto Maravilha levaram a derrubada do elevado da perimetral, via de acesso à cidade e circulação pela região costeira central. Os transtornos se iniciaram há algumas semanas e vão piorar com mudanças em outras vias importantes. Até ficarem prontos um novo mergulhão e as demais obras, paciência será preciso. Ainda assim, impressiona o clima favorável.

De início, cabem dois esclarecimentos. Primeiro, propositalmente, não me debrucei para entender o projeto em detalhes, avaliando opiniões a favor e contra. Escrevo com base nas impressões de morador.

Segundo, não tenho nenhuma simpatia a priori pelo prefeito Eduardo Paes. Porém tenho que reconhecer seu empenho e sua tranquilidade em bancar o projeto.

A avaliação que mais ouço é que o prefeito é doido. Alguns dizem isso com raiva, mas a maioria dá um crédito em razão da perspectiva de que o coração da cidade venha a ficar mais bonito e agradável.

Parte da boa vontade vem da amostra dada pela abertura da via binário do porto, que, com a demolição de parte da perimetral em novembro passado, descortinou uma belíssima região, antes degradada e escondida e que, agora, tem calçadas bem feitas, prédios antigos restaurados e equipamentos novos, como o Museu de Arte do Rio, e outros por vir, caso da ampliação de sede da Biblioteca Nacional.

Escavações ainda redescobriram o cais do Valongo, mais importante ponto de entrada de escravos das Américas.

Foi marcante a alegria de minha mulher, que trabalha em Niterói, ao contar a emoção de passar pela primeira vez na via binário, mesmo que isso represe demora adicional de quase meia hora em seu trajeto.

No tráfego, a alocação de uma grande quantidade de agentes de trânsito tem minorado os problemas. Contudo, chama a atenção a ineficiência da turma, numa mistura de falta de preparo, expressa pela dificuldade de comandar a ordenação dos fluxos, com certa displicência carioca, de quem não se importa de falar ao celular enquanto sinaliza para veículos e pedestres.

Ainda assim, a boa vontade é reforçada por placas e telas espalhadas pelo centro, dando os recados: "use o transporte público", "carona solidária", "ajude o Rio" etc.

Tomara que mais à frente isso se converta num esforço (educativo e punitivo) de respeitar as leis de trânsito, cuja deficiência contribui para piorar a confusão. Afinal, é contagiante o conclame aos cidadãos para que façam um esforço visando mitigar os transtornos da transição.

O caso mostra dificuldades e desequilíbrios do desenvolvimento.

A busca de uma nova forma superior de organização, com saldo positivo para todos, exige mexer com os confortos individuais existentes. Por exemplo, deixar o carro em casa para ir trabalhar é parecido com ter que pagar mais (inflação) e passar a arcar com todos os direitos trabalhistas para contratar uma empregada doméstica.

Além disso, fazem diferença as qualidades da educação e das instituições. Em Barcelona, a revitalização portuária, marco da preparação da Olimpíada de 1992, deve ter sido mais fácil por contar com agentes de trânsito mais eficientes e uma população que respeita as leis de tráfego, além de ter ocorrido num país já rico.

Entretanto, as deficiências não impedem que as coisas mudem. Desenvolver é sinônimo de desenrolar, coisa que todos aprendemos a fazer no cotidiano, usando os recursos à disposição e visando criar novas capacitações e tornar a vida melhor.

Fundamental é que a determinação (ou a demanda) de sediar a Olimpíada pôs o poder público em movimento, preparando a cidade aos trancos e barrancos. Porém o resultado é positivo. A sociedade gosta e sente falta disso. Afinal, o Estado não é um inimigo externo, mas sim uma forma de organização coletiva dos seres humanos.

É verdade que há recursos federais sendo aplicados de maneira concentrada no Rio. O caminho do progresso, porém, não é podar os investimentos e, sim, reforçar os esforços nacionais em infraestrutura urbana, em especial de mobilidade, que, com priorização e eficiência, devem servir de vetor do crescimento e do desenvolvimento, com os seus desequilíbrios associados.

Dedico a coluna à memória de minha mãe, Josângela, que estaria amando ver a cidade se embelezar.

marcelo.miterhof@gmail.com


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