Folha de S.Paulo

Cifras & letras

'Jovens estão com vergonha de trabalhar em Wall Street'

ISABEL FLECK DE NOVA YORK

"Eu nem digo para as garotas com o que eu trabalho", ou "eu falo para as pessoas que dirijo o trem da linha 6". Sem contexto, as frases poderiam dar margem às mais diversas interpretações sobre a ocupação de seus autores.

Talvez pouquíssimos acertassem, no entanto, que os dois rapazes que tanto tentam esconder seus empregos fazem parte do antes glamouroso mundo de Wall Street.

Pelas páginas de "Young Money", do jornalista Kevin Roose, lançado em fevereiro nos Estados Unidos, é possível ver várias situações em que os jovens --muitos deles os melhores de sua turma na universidade--, contratados pelos maiores bancos americanos, sentem vergonha, após a crise de 2008, do mercado em que estão inseridos.

"Wall Street era atraente antes. Era o lugar aonde as pessoas iam para viver a boa vida. Hoje, o sexy é ir trabalhar com tecnologia, é ir para o Google ou o Facebook", resume à Folha Roose, que acompanhou oito jovens analistas de mercado durante três anos e narra, no livro, suas experiências e escolhas no trabalho e na vida pessoal.

Todos os nomes foram alterados, assim como algumas características pessoais, a ordem cronológica de fatos e alguns nomes de empresas --tudo para dificultar a identificação dos personagens.

"Todos eles violaram regras de seus empregadores que os proíbem de falar com a mídia sem permissão. Se eles fossem pegos conversando comigo, poderiam ter sido demitidos", justifica Roose.

O autor, que cobriu mercado financeiro para o "New York Times" e hoje escreve sobre negócios e tecnologia para a revista "New York", convidou-se para festas organizadas pelos novatos de Wall Street, frequentou restaurantes e bares considerados redutos dos jovens analistas e se inscreveu até num curso de Excel para se aproximar de seus futuros entrevistados.

O objetivo era entender o motivo que levava os jovens a ainda querer trabalhar nesse mercado. A dúvida o incomodava desde que, logo após estourar a crise, viu, num jantar, uma jovem vacilar ao sentir-se obrigada a citar a empresa que acabara de a contratar.

"A garota corou, abaixou a cabeça e, encabulada, disse: Gold... man... Sachs?'. Logo o assunto da conversa mudou, lembra o jornalista.

O LOBO

Impossível não comparar a situação descrita com a realidade exposta no filme "O Lobo de Wall Street", que chegou aos cinemas semanas antes do livro. Para o jornalista, é nítida a decepção dos jovens que entrevistou com a decadência atual do meio.

"Acho que eles esperavam mesmo algo parecido com O Lobo de Wall Street', com champanhe, carrões. Mas hoje o que acontece ali não é nem mais de perto o que se vivia antes da crise", diz.

Se o status --diante das mulheres, dos pais ou dos amigos-- já não é mais o mesmo, a exigência no trabalho não mudou após a crise, com rotinas exaustivas.

Ricardo Hernandez, um dos entrevistados, começou a questionar a vantagem de seguir nesse mercado após cumprir, no JPMorgan, a escala de "nove às cinco": das 9h às 5h da manhã do dia seguinte.

O autor diz ter se surpreendido com o fato de o dinheiro não ter sido apontado por praticamente nenhum dos jovens que acompanhou como a razão da escolha por Wall Street. Com 22 ou 23 anos, a maioria já ganhava salários de US$ 5.800 (R$ 13.600) por mês (sem contar os bônus).

"Por muitos anos, os melhores da classe iam para Wall Street, mesmo se quisessem ser músicos ou artistas, só para ganhar um bom dinheiro por um tempo e seguir os amigos", afirma o autor, que parece ter conseguido a resposta enfim. "Hoje, quem vai para Wall Street quer trabalhar com investimentos."

Para Roose, os maiores beneficiados por essa mudança são os bancos, que acabam reunindo uma força de trabalho menos deslumbrada, mais disposta e "estável".

YOUNG MONEY - INSIDE THE HIDDEN WORLD OF WALL STREET'S POST-CRASH RECRUITS
AUTOR Kevin Roose
EDITORA Grand Central
QUANTO A partir de US$ 11,35 na Amazon (R$ 26,60; 337 págs.)
AVALIAÇÃO Bom