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Samuel Pessôa

O legado de 1964

A maior característica desse período foi relegar o desenvolvimento social ao segundo plano

O assunto das últimas semanas tem sido o legado do golpe militar, que completou na semana passada seu cinquentenário. Na quarta-feira, participei de um debate na sede da Folha sobre a política econômica do período ditatorial.

Enfatizei dois aspectos que penso não terem merecido a devida atenção. O primeiro é a continuidade que há nas políticas sociais ao longo de todo o período que vai de 1930 até o fim da década de 1970.

O segundo é que houve no período ditatorial um ciclo de políti- ca econômica que reproduzimos no período democrático. Parece que a sociedade tem dificuldades de aprendizado.

Para mim, o exemplo mais marcante de continuidade das políticas sociais nas cinco décadas iniciadas em 1930 é a evolução das taxas brutas de matrícula nos diversos níveis de ensino.

A taxa bruta de matrícula é dada pelo número de pessoas que estão cursando o referido ciclo educacional --fundamental, médio ou superior-- como proporção do total de pessoas da população da faixa etária do ciclo, isto é, que deveriam estar cursando. Note que, devido à elevada repetência, a taxa bruta de matrícula pode ser maior do que 100%.

Ao longo dos anos 1930, a ta- xa bruta no fundamental era de pouco mais de 30%, tendo subido para 50% nos anos 1950 e 65% nos anos 1960.

A primeira descontinuidade que há na série para o fundamental ocorre em 1994, quando, em poucos anos, ela cresce de 110% para 130%.

Se utilizarmos dados para a evolução dos gastos em saúde ou em aposentadoria, obteremos o mesmo resultado. Do ponto de vista das políticas sociais, o perío- do ditatorial não constitui ruptura, mas sim continuidade com as políticas do período do nacional-desenvolvimentismo.

Ou seja, do ponto de vista das políticas públicas, econômicas e sociais, o período ditatorial deve ser tratado como pertencente ao período do nacional-desenvolvimentismo, que vai da década de 1930 até o fim da década de 1970.

A maior característica desse período foi relegar o desenvolvimento social ao segundo plano, em prol do desenvolvimento da indústria e do investimento em capital físico.

Penso que o país dos espaços urbanos deteriorados, da violência urbana, entre outras características dos anos 1990 em diante, é consequência direta desse padrão de escolha de política pública. A narrativa de que o país estava no caminho correto, que as coisas iam bem e os militares estragaram tudo, do ponto de vista das políticas sociais e do regime de política macroeconômica, não se sustenta.

Passando ao segundo tema de minha participação no debate, há, curiosamente, paralelismo entre o ciclo de política econômica do período democrático e o ciclo que vivenciamos no período ditatorial.

O ciclo inicia-se com um período de liberalização da economia que resulta na retomada do crescimento. O crescimento sofre uma interrupção abrupta em razão de um choque externo, e a resposta dos formuladores de política econômica ao desafio externo é ampliar a intervenção discricionária do Estado na economia. A estatização excessiva reduz a eficiência e a economia perde desempenho.

Para o período militar, temos liberalização com Castello Branco, retomada do crescimento em razão da maturação das reformas institucionais com Médici, crise do petróleo em 1973 e estatização e perda de desempenho no governo Geisel. O ciclo está completo.

Recentemente, houve um longuíssimo período de liberalização da economia que se inicia com Fernando Collor, acelera-se muito no governo Fernando Henrique Cardoso e termina com Palocci. Lula colhe o crescimento e, em seguida à crise externa de setembro de 2008, o regime de política econômica amplia excessivamente a intervenção direta do Estado na economia. O crescimento encolhe.

Infelizmente parece que a sociedade tem que repetir compulsivamente erros passados.


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