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Entrevista - Luciano Coutinho

Represamento de reajustes terá de ser diluído em 3 anos

Para presidente do Bndes, manter a inflação sob controle justifica segurar preços, mas repasses exigem cuidado para evitar choques

FERNANDO RODRIGUES DE BRASÍLIA

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, diz que, para compensar o represamento das tarifas e de preços controlados pelo governo, o ideal seria diluir os reajustes ao longo de dois ou três anos.

Isso evitaria que tudo se concentrasse em 2015, com alto impacto inflacionário.

Nos últimos anos, o governo tem segurado os preços que controla, como combustíveis e energia elétrica, para evitar uma disparada da inflação. Empresas e analistas econômicos acreditam que essa política será suspensa depois das eleições presidenciais, no fim deste ano. Coutinho diz não ser essa a melhor opção.

"Precisamos primeiro aquilatar qual é o real represamento de alguns preços. É um processo que precisa ser feito com devida organização", argumentou o presidente do BNDES em entrevista à Folha e ao UOL, ressalvando essa não ser a sua área.

O assunto foi tratado quando ele falava do nível de investimentos no país.

Embora empresas do setor de infraestrutura dependam da política de preços administrados pelo governo, o presidente do BNDES afirma que o impacto dessas políticas deve ser relativizado, já que os investimentos têm um período de maturação de dois a três anos. "Quando o investimento estiver entrando em operação, as coisas já estarão resolvidas."

Para as empresas já em atuação hoje, ele diz que serão usadas "outras ferramentas" para "estimular os investimentos". Coutinho não quis detalhar quais seriam esses mecanismos, mas a principal forma de atuação do banco é concedendo empréstimos.

Como este será um ano de ajustes e aperto monetário no governo, o BNDES espera receber menos recursos do Tesouro. Por essa razão, prepara-se para reforçar seu caixa captando no mercado. Uma consequência será oferecer empréstimos cobrando juros mais altos.

Outra fonte possível de dinheiro para o banco é vender ações de sua carteira. Há uma decisão de reciclar os papéis quando o mercado estiver num momento de maior recuperação.

Sobre a política de conteúdo nacional mínimo exigido em grandes projetos, Coutinho diz ser possível fazer um ajuste "circunstancial" quando necessário. Mas não há sinal de que essa diretriz será abandonada.

Há cerca de sete anos no comando do BNDES, Coutinho é economista de formação e deu aulas para Dilma Rousseff nos anos 1980, na Unicamp. A seguir, trechos de sua entrevista:

Folha/UOL - O governo da presidente Dilma argumenta haver excesso de pessimismo em relação à economia. Mas [anteontem] o ex-presidente Lula disse: "Nós poderíamos estar melhor e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha claramente, como é que a gente vai melhorar e economia brasileira". Afinal, como melhorar e economia brasileira?
Luciano Coutinho - Tenho um olhar de longo prazo. O Brasil é uma economia que reúne um conjunto de condições e de qualidades para retomar um crescimento acima de 4%. Isso depende de construímos uma agenda de sustentação de um esforço mais intenso de investimentos e de poupança. Essa é uma agenda factível e possível. Temos desafios de curto prazo de inflação. Temos um desafio de reequilibrar nossas contas.

O sr. falou da inflação. O IPCA de março foi 0,92%, mesmo com governo contendo os preços controlados. Esse tipo de política é sustentável?
Estamos passando por um período de choque de preços em razão do período seco. Temos uma pressão sobre os preços agrícolas, que espero seja transitória.

E os preços controlados?
Acho que será possível fazer um programa mais adiante. Se você quiser encavalar pressões inflacionárias, isso pode não ser uma estratégia inteligente. Mas não há dúvida de que logo que as condições permitirem um processo organizado de descompressão desses preços precisará ser efetuado.
É preciso ter em conta que a estratégia de manter a inflação sob controle é de fundamental interesse. O governo está tendo a cautela.

Não está havendo um represamento muito grande? Vai sobrar tudo para ser consertado em 2015, no caso dos preços administrados?
Não. Esse processo pode ser diluído. Não necessariamente concentrar tudo em um só momento. Precisamos primeiro aquilatar qual é o real represamento de alguns preços. Esse é um processo que precisa ser feito com devida organização.

Como seria essa organização?
Olha, essa não é a minha área de responsabilidade. Estou falando uma coisa que me parece muito sensata. A produção de choques pontuais pode ser muito desestabilizadora. Processos um pouco mais gradualistas devem ser pensados. Acredito que dentro de prazos razoáveis...

O que é um prazo razoável para reajustar os preços administrados pelo governo?
Podem ser dois anos. Podem ser três anos, [para] diluir esses processos...

Diluir ao longo de dois ou três anos a contenção que se fez dos preços administrados?
De corrigir o processo de uma forma a não potencializar e agravar o problema, e sim de uma forma que permita eficácia na correção. É um tema em que, obviamente, não posso ir além disso.

Mas essa decisão tem impacto nos investimentos. Empresas que atuam em áreas de infraestrutura, premidas pela situação de os preços administrados estarem defasados, podem investir menos, certo?
Não necessariamente. Primeiro, o sistema funciona de uma forma prospectiva. O período de maturação dos investimentos leva dois anos, três anos. Quando estiver entrando em operação, as coisas já estarão resolvidas.

Mas e os que já operam?
Sim, é preciso olhar caso a caso. O importante é a confiança de que esses processos serão conduzidos de uma maneira organizada e racional. Estou apenas dizendo algo que me parece óbvio. Processos que devam ser feitos de uma maneira pactuada, organizada, bem entendida pelos agentes econômicos.

Os setores que dependem dos reajustes vão aguentar esse período todo?
Dependendo de outras ferramentas que se possam usar para estimular os investimentos. É preciso ter em conta o seguinte: investimento tem prazo de maturação e investimento depende de uma perspectiva e de um cálculo de futuro. Esse cálculo não é instantâneo, de hoje para amanhã. É preciso olhar os horizontes, olhar caso a caso. Nós estamos falando de setores e coisas diferentes.

A Câmara aprovou um dispositivo numa MP que regionaliza 35% de todos os recursos investidos pelo BNDES para Norte, Nordeste e Centro-Oeste. É algo positivo?
Acho muito positiva a preocupação das bancadas de que as regiões menos desenvolvidas no país tenham mais recursos e mais projetos. [Mas] não é a melhor ferramenta, porque engessa.

Se essa regra for mantida na MP, o sr. recomendaria à presidente Dilma um veto?
Sim. O essencial é ter uma estratégia de longo prazo, não carimbar recursos. Esse não é um veto justificado pelo desejo de não fazer. Ao contrário. Nosso desejo é fazer e até ultrapassar.

A política de conteúdo nacional mínimo pode ser flexibilizada em alguns projetos?
Temos que criar as condições para evoluir para o conteúdo nacional mínimo. Circunstancialmente, ajustes já foram feitos. Tivemos, em vários momentos, que renegociar cronogramas. Às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois passos para frente. O importante é direção estratégica.

A política dos "campeões nacionais" se esgotou. Foi um acerto ou um erro?
Foi um processo muito positivo. Esse ciclo se cumpriu, porque nós não temos no Brasil em outros setores um conjunto de grandes empresas capacitadas e competitivas a se tornar atores globais.

Então o ciclo está superado?
Sim, por falta de opção.

Assista à entrevista e leia a transcrição
folha.com/no1438353


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