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Marcelo Miterhof

Inflação no hemisfério Norte

EUA e Europa vivem 'armadilha de liquidez' e saída é ampliar gasto público para estimular demanda

A inflação é debatida no hemisfério Norte. Na semana passada, Paul Krugman em seu blog e em sua coluna no "New York Times" e Martin Wolf no "Financial Times" combateram o medo inflacionário atávico.

Krugman defende que os EUA adotem uma política econômica mais ativa para combater a estagnação e o desemprego que persistem desde a eclosão da crise financeira em 2007/8.

Um aspecto-chave é o Fed (BC dos EUA) elevar sua meta implícita de inflação anual de 2% para 4%. Além de abrir espaço para aumentar o gasto público, uma inflação moderada desvalorizaria os endividamentos, cujo peso tem travado a economia americana, ajustaria preços e salários frente às mudanças na demanda e encorajaria as pessoas a gastar, em vez de poupar.

Wolf diz que não há risco de alta inflação. O problema é o oposto: o Fed e outros BCs insistirem em perseguir a atual meta de inflação por crerem que o sistema monetário funciona como descrito nos manuais. O colunista usa um didático boletim do Banco da Inglaterra para mostrar por que não é assim.

Basicamente, a quantidade de moeda de uma economia é formada pelo dinheiro de papel em poder do público e pelos depósitos bancários. Como a maior parte dos recursos circula dentro do sistema financeiro, os bancos concedem empréstimos (criam moeda, abrindo depósitos) sem precisar manter a totalidade de reservas em papel. O crédito impulsiona a atividade econômica, gerando a renda para pagá-lo (quando moeda é destruída).

A ortodoxia entende que o BC controla estritamente a quantidade de moeda, pois os bancos, visando a lucro, sempre concederiam o máximo de empréstimos possível, dadas as exigências de reservas. Haveria um multiplicador estável entre o papel moeda emitido pelo Estado e o dinheiro total na economia.

Porém não é bem assim. O montante de crédito é resultado das decisões dos bancos e de seus clientes, que, influenciados pelas condições econômicas, avaliam as perspectivas de risco e retorno para ofertar e demandar financiamentos.

De fato, a autoridade monetária tem o poder de fixar o custo (juros) de os bancos recorrerem à suas reservas quando têm falta de liquidez (casos em que as reservas são insuficientes para suprir a saída líquida de depósitos) e de impor regras regulatórias, como frações mínimas de reservas e capital próprio em relação aos ativos, para induzir um comportamento criterioso pelas instituições financeiras.

Mas esse não é um processo automático. Numa economia aquecida, os bancos criam inovações financeiras para "burlar" as regras do BC e aumentar a circulação de moeda demandada pela economia. O risco é que o otimismo faça o crédito expandir mais do que a produção é capaz de responder, o que gera uma inflação momentânea ou, pior, uma especulação de ativos, como numa bolha imobiliária.

Entretanto, nos últimos anos, o afrouxamento monetário ("quantitative easing") --a monetização (compra) de títulos públicos pelo Fed-- não trouxe risco de inflação porque a maior disponibilidade de reservas não tem levado os agentes a expandir o crédito. Há pessimismo em razão do alto nível de endividamento americano.

Os EUA e a Europa estão numa "armadilha de liquidez": os juros baixos têm sido incapazes de ativar a economia. A saída é ampliar o gasto público para estimular a demanda e melhorar as expectativas de retorno dos negócios.

O problema é que não é fácil convencer os formadores de opinião. Wolf atribui isso à incompreensão acerca de como realmente funciona o sistema monetário.

Krugman, lembra o exemplo da inflação americana nos anos 70, quando os índices anuais estiveram em dois dígitos, destacando que a época não foi tão danosa para os salários reais quanto a era Reagan/Bush, marcada por ajustes.

Quem mais perdeu nos 70 foram os detentores de ativos financeiros. É o interesse dos muito ricos que dá lastro ao conservadorismo anti-inflacionário, influenciando, inclusive financeiramente, políticos, centros de estudos e meios de comunicação.

As motivações se complementam. Os ricos têm mais meios de fazer valer seus interesses e são inegáveis as dificuldades de obter consensos no conhecimento econômico. Por exemplo, é sempre possível de alguma forma defender que a prosperidade do governo Clinton foi consequência da "lição de casa" que teria sido feita pelos republicanos nos doze anos anteriores.

marcelo.miterhof@gmail.com


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