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Marcelo Miterhof

A encruzilhada das UPPs

O fim da existência ostensiva de armas pesadas não significou a retomada integral dos territórios

É preocupante o crescimento da insatisfação entre os moradores de áreas em que foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro.

O assunto é fundamental para as perspectivas de desenvolvimento do Brasil. Por isso, recorri à pesquisadora do Ipea Rute Imanishi para entender melhor as dificuldades das UPPs. Destaco a seguir suas principais considerações.

Surgida de forma pontual na comunidade Santa Marta em dezembro de 2008, a primeira UPP contava com 120 policiais para ocupar uma favela com população de 6.000 pessoas. Hoje, são 37 unidades instaladas, atingindo cerca de 1,5 milhão de pessoas e mobilizando quase dez mil policiais, segundo portal da iniciativa na internet (upprj.com).

Como é notório, as UPPs resgataram o domínio do Estado sobre territórios antes sob o poder do tráfico de drogas ou de milícia. Assim, foi possível abrir espaços para, por exemplo, a atuação de ONGs que desenvolvem ações sociais e culturais visando mitigar o estigma em torno dessas comunidades, bem como capacitando os agentes de segurança pública em direitos humanos e mediação de conflitos visando criar o chamado policiamento comunitário.

Esse tipo de atuação centra-se em um esforço de aproximação entre a polícia e os moradores em que o interesse de combater o crime é feito com respeito às leis e aos direitos individuais, visando fortalecer o respeito mútuo.

O avanço é inegável e rapidamente alçou as UPPs à condição de mais importante política pública estadual, com forte apoio da população e dos meios de comunicação. Porém ainda restam lacunas que colocam o projeto em risco.

A primeira dificuldade óbvia é ter um efetivo policial (em geral, PMs) para ocupar as mais de cem favelas só na cidade do Rio de Janeiro, algumas com mais de dez vezes a população da primeira unidade, na Santa Marta. As UPPs iniciais contaram com PMs recém concursados, facilitando a adaptação ao espírito de atuação comunitária, mas o ritmo de formação de novos policiais não foi suficiente.

Outra dificuldade é fazer com que a iniciativa não se restrinja ao policiamento. Os investimentos de urbanização --levando saneamento e pavimentação, entre outras coisas-- tampouco foram suficientes, além de não ter havido um esforço de regularização das propriedades nas favelas. As chamadas UPPs Sociais são capazes de fazer bons diagnósticos, porém falta capacidade de execução.

Essa é a face dos problemas relativas à dificuldade de aumentar o gasto público, que foi o tema das últimas semanas. No entanto, há uma questão ainda mais imediata e talvez mais difícil de lidar.

O fim da existência ostensiva de armamentos pesados não significou a retomada integral dos territórios, em especial nas grandes comunidades, em que a variedade de interesses e a geografia dificultam a ocupação policial. Isso faz os moradores temerem retaliações por parte do tráfico a pessoas tidas como colaboracionistas.

A dificuldade de lidar com a tensão criada pelo tráfico é um dos principais riscos para as UPPs. Por um lado, a população se ressente da falta de atuação efetiva em casos de justiçamento. Por outro, a reação policial tem sido enfrentar as ameaças retomando práticas --como revistas e invasões de domicílio arbitrárias e mesmo violências piores-- que colidem com o espírito do policiamento comunitário.

No mês passado, logo após a ocupação do complexo da Maré, ONGs locais, em conjunto com a Anistia Internacional, lançaram um protocolo de atuação para as forças de segurança em que se ressaltam princípios básicos, como: agir respeitando a lei, identificar-se, priorizar o uso de inteligência, não pautar os critérios de abordagem em preconceitos raciais e geracionais, fazer a mediação dos conflitos com o apoio de organizações locais e de uma ouvidoria comunitária.

O secretário de Segurança José Mariano Beltrame se comprometeu em passar tal orientação às forças policiais. Nesse sentido, uma medida relevante seria a criação de ouvidoria independente para a polícia.

Neste momento, é crucial entender as reclamações da população. O desafio das UPPs tem múltiplas dimensões e dificuldades. Muito se avançou, mas os riscos são sensíveis. O tema precisa ser politizado local e nacionalmente. Uma volta ao passado é impensável.

marcelo.miterhof@gmail.com


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