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20 anos depois

Obsessão por aumentar preços sobrevive

Memória inflacionária e baixo crescimento crônico persistem após 20 anos de estabilização com o Plano Real

Problemas pioram em momentos como agora, quando a inflação está elevada e exportações perdem fôlego

MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO

"Em janeiro, todo mundo coloca os preços para cima. Todo ano sobe". Morando há sete anos no Brasil, o inglês Barry Baker, 43, notou que há algo diferente no país, que faz com que os preços subam de uma forma quase autônoma.

Passados 20 anos de estabilização e governos de dois diferentes partidos políticos (PSDB e PT), a memória inflacionária persiste. A obsessão coletiva por aumentar os preços olhando a inflação passada é herança do período de descontrole pré-Plano Real.

Mas sobrevive graças a contratos e acordos, mesmo informais, que preveem reajustes anuais de mensalidades, pedágios, remédios, salários, aluguéis e de um sem número de serviços no país.

Em 2013, segundo o Banco Central, quase um ponto percentual da inflação (5,91%) foi resultado de recomposições de reajustes passados.

"Essa é uma grande agenda incompleta do Real e cria uma característica única da economia brasileira. Por que a inflação é tão resistente aqui e não é assim em outros países? Porque eles não tiveram indexação", diz Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

Por efeito desse fenômeno, altas repentinas de preços provocadas por uma quebra de safra, consumo na China, seca ou chuvas se incorporam aos demais preços, por força da correção que segue os índices de inflação.

O IGP-M, índice que reajusta os aluguéis, por exemplo, tem como um dos componentes o preço do minério de ferro, cujo preço é definido no mercado externo.

"A cada choque de preços a inflação se propaga e alcança patamares mais elevados", diz Heron do Carmo, professor da USP e um dos formuladores do IPC da Fipe. "O Plano Real não acabou com a indexação. Apenas ampliou o prazo de correção de mês em mês para a cada ano."

O problema piora quando a inflação estaciona em um patamar mais elevado, como agora (6,3%). E recuperar a perda do poder de compra fica mais relevante para consumidores e empresários. "Essa inflação vira piso para reajustes futuros", diz Cunha.

E quanto mais elevado é o patamar da inflação, como agora, diz Cunha, maior é a procura pela indexação.

Outra debilidade que resiste --e é reconhecida pelos formuladores do plano-- é que o crescimento econômico não se sustentou, mesmo com a inflação controlada.

"Acho que está óbvio agora, como já me parecia em 1997. Não conseguimos definir uma estratégia de estabilização consistente com crescimento econômico vigoroso e equilíbrio externo", afirma Edmar Bacha, que integrou a equipe de economistas que desenvolveu e lançou o Real.

Para ele, o período de expansão de 2004 a 2011 (o mais bem-sucedido desde os anos 1970) foi turbinado pelos preços externos das exportações, que hoje perdem fôlego.

"Acabou a bonança, revelou-se novamente nossa economia enferma, em que convivem PIBinhos', inflação alta, deficit em conta-corrente e a desindustrialização."

A vacina, na sua opinião, é ampliar a abertura comercial da economia, elevando a concorrência e a eficiência das empresas brasileiras.

Albert Fishlow, especialista em Brasil e professor emérito das universidades de Columbia e da Califórnia, ressalta que há algo positivo na memória inflacionária. "Isso estabelece um limite de ação aos governantes e faz com que todos os partidos defendam a inflação baixa", diz.

O inglês Barry Baker notou também que o antigo país exótico da hiperinflação é hoje peculiar por motivos não menos daninhos.

Dono de uma escola de inglês, ele tenta fechar a empresa e migrar para um sistema mais simples e flexível de tributação, para pequenos empreendedores. Mas já sabe a burocracia do processo. "Para um país que quer crescer rápido, não pode ser assim."


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