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Marcelo Miterhof

Recursos nem tão naturais

Livro defende que é melhor incentivar a indústria nacional a inovar em áreas como agricultura e petróleo

A busca do desenvolvimento econômico com base em recursos naturais tem se mostrado uma estratégia limitada quando se compara a América Latina com as industrializações mais bem-sucedidas da Ásia.

Há algumas explicações possíveis e não necessariamente excludentes de por que a abundância de terras férteis, petróleo ou minerais pode se mostrar disfuncional: uma tendência à apreciação cambial, que prejudica a competitividade da indústria de transformação, e o estabelecimento de uma cultura imediatista, que dificulta o adensamento tecnológico e de conhecimento nos processos produtivos.

Nesse sentido, um interessante contraponto é dado pelo livro "Recursos Naturais e Desenvolvimento", escrito pelos economistas João Furtado e Eduardo Urias e recentemente editado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Um ponto inicial é que os recursos naturais não são um simples presente da natureza, mas uma criação humana. É o progresso técnico que tanto dá utilidade ao que existe no planeta como os torna disponíveis, desenvolvendo formas de encontrá-los e extraí-los em condições que crescentemente são mais difíceis.

Evidência disso é que o EUA, país tido por Benjamin Franklin no fim do século 18 como pobre em recursos naturais, se tornou o maior produtor mundial de minério no século seguinte. A intensa exploração de seus recursos naturais no século 19 fez suas reservas crescerem substancialmente. De forma semelhante, no Brasil, o uso de pesquisas e tecnologias ajudou a criar no cerrado uma agricultura pujante.

Uma estrutura produtiva baseada em recursos naturais não precisa ser meramente rentista, calcada apenas numa eventual facilidade de sua obtenção. Há esforços de inovação e de encadeamento industriais, casos dos bens de capital e implementos agrícolas, que podem alavancar o desenvolvimento.

Ainda assim, ao longo do último século os preços dos bens intensivos em recursos naturais caíram significativamente em relação aos dos bens industrializados. Estabilizado o ritmo de urbanização na Europa e nos EUA, o crescimento nos países ricos foi ao longo do século 20 marcado por diversificação da oferta de bens e serviços, que são cada vez mais imateriais. Um carro ou um eletrodoméstico tem conteúdo de aço e plástico, porém mais valiosos são as tecnologias que carregam.

Entretanto, tal panorama mudou com a emergência da China e seus vizinhos, cujo crescimento é acompanhado de uma urbanização de escala sem precedentes.

Com isso, a China, que, por exemplo, no ano 2000 importava 70 milhões de toneladas de minério de ferro, equivalentes a 14% do comércio internacional, em 2008 deu um salto para 444 milhões, quase metade das compras externas globais. Na soja, suas compras passaram de 10 milhões de toneladas para quase 60 milhões de 2000 a 2012, saindo sua fatia no mercado de menos de um quinto para quase dois terços.

Como a urbanização asiática ainda está longe de acabar, é provável que os impulsos nos preços dos recursos naturais sejam duradouros.

É verdade que um avanço de tal proporção na taxa global de urbanização traz pressões políticas, econômicas e ambientais para melhorar a eficiência de seu uso. Porém isso é mais uma alavanca que um impedimento para o desenvolvimento de inovações e de uma estrutura produtiva baseada em recursos naturais.

A conclusão do livro é que esse é um caminho melhor que tentar enfrentar a competição dos países ricos e dos emergentes asiáticos em setores altamente dinâmicos, como microeletrônica ou química fina, ou nos intensivos em trabalho. Seria mais efetivo impulsionar a diversificada indústria brasileira para inovar e incorporar conhecimento na provisão de serviços, insumos e bens de capital para as atividades voltadas para agricultura, mineração, energias renováveis e petróleo etc.

Canadá e Austrália são exemplos de países ricos que desenvolveram dinâmicos setores em recursos naturais, incluindo uma forte base industrial exportadora.

Mas esses são países de populações reduzidas. Um país populoso como o Brasil não deveria abrir mão de ter uma estrutura industrial diversificada (e competitiva).

Ainda assim, e dando os devidos descontos por ser uma publicação setorial, o texto é proveitoso por mostrar que foco e pragmatismo --além de paciência, vale acrescentar-- são cruciais na criação de uma base empresarial inovadora.

marcelo.miterhof@gmail.com


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