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Cifras & Letras

Judiciário usa princípios vagos para invadir esfera do Executivo

Conceitos genéricos como 'dignidade humana' são receita para arbitrariedade

o juiz desvaloriza o gestor público ao determinar a compra de remédios fora da lista oficial

RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO

Como discordar de um princípio jurídico tão genérico como a "dignidade humana"? Ou que tal a "razoabilidade"?

O problema, defende o professor Carlos Ari Sundfeld, é que os princípios, vários bastante vazios, estão dominando o direito administrativo, aquele que trata da gestão pública, e trazendo com isso arbitrariedade, insegurança jurídica e danos ao Tesouro.

A questão é que o princípio, ao contrário da legislação, é tão vago e flexível que permite ao juiz decidir qualquer coisa a partir dele. É a vitória do não direito, já que o ordenamento serve justamente para dar previsibilidade à Justiça.

Com base na noção constitucional de que "saúde é direito de todos e dever do Estado", por exemplo, a Justiça tem adotado uma postura bastante ativista, exigindo do Estado medicamentos não previstos nas listas oficiais do Ministério da Saúde.

Só em São Paulo, em 2013, o gasto com demandas judiciais na saúde foi de R$ 904,8 milhões, mais que o dobro do valor desembolsado em 2010. Dados oficiais mostram que 65% das prescrições na origem dos processos partem de médicos particulares.

Como aponta o autor, visões românticas sobre o valor da atuação isolada de juízes, fundamentadas em princípios vagos, tiram dinheiro da saúde daqueles que não estão na Justiça, promovendo uma distribuição de renda às avessas.

Além disso, o Judiciário, que tende a olhar só para a árvore, utiliza os princípios para atropelar o Executivo, desvalorizando o gestor público, que enxerga a floresta.

O Legislativo também é vítima da utilização exagerada de princípios pelos juízes.

Um bom exemplo são votos contra o corte de luz por falta de pagamento quando o morador se encontra "em estado de miserabilidade", justamente pelo princípio da dignidade humana. Bem-intencionado, o juiz inventa a luz grátis e passa a conta adiante --mas tudo bem utilizar um princípio tão vago para passar por cima da lei que autoriza o corte?

Há casos até pitorescos. Em Pirassununga, um sujeito quis na sua lápide esta inscrição: "Bípede, meu irmão. Esta é a história prosaica de um espermatozoide que acabou virando carniça... Sou o Chico Sombração. Xingai por mim!"

O prefeito não gostou e vetou. O caso foi ao STF, que de fato não encontrou fundamentação legal para o veto, mas o manteve com base no interesse público. Parece coisa pequena, mas não deixa de ser uma limitação arbitrária ao direito do morto de fazer a piada que quiser.

TRAPAÇA

"No mundo jurídico, citar hiperprincípios é trapacear. Eles são uma arma dos espertos e dos preguiçosos", escreve o professor da FGV e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público.

"Isso porque o princípio dá ampla liberdade ao jurista, que vira legislador. É um truque para esconde a falta de fundamento, o puro voluntarismo na tomada de decisões ou até a mais descarada violação das normas."

Sundfeld lembra que a sombra do estatismo e de certa filosofia antiliberal sempre ronda o direito administrativo. "Há postura de onipresença judicial em relação aos direitos. Distribui-se direitos de modo indeterminado e aberto, e sempre uma ação o assegura, sempre um juiz pode realizá-lo."

Muitos desses princípios multiúso podem ser encontrados na Constituição de 1988 --e aí mora outro problema, para o autor.

"O apelido romântico de Constituição Cidadã pegou. Estaria mais para Constituição Chapa-Branca... Seu objetivo maior parece ter sido atender reivindicações corporativistas", escreve.

Sundfeld critica o pensamento mágico de que o direito administrativo é uma luta dos fracos (os administrados) contra o forte (a administração). O Estado não é um saco sem fundo, afirma. O jurista tem de saber que, para que algo saia dessa caixa, alguém tem que pôr. Preocupação com custos não é mera choradeira de economista liberal.

Eis o ceticismo que Sundfeld leva ao título do livro.

"As normas são sempre um conjunto de experiências, um saco de incoerências, uma coisa torta. Os juristas querem o status de cientistas, buscam sistematizar e falar de princípios para mostrar que também merecem um Prêmio Nobel. Vira uma questão de fé..."

"Direito administrativo para céticos"

Autor Carlos Ari Sundfeld
Editora Malheiros
Quanto R$ 57,90
Avaliação Ótimo


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