Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mercado

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Vinicius Torres Freire

São Paulo, vidas secas

A vida ruim sob o ar seco e imundo da cidade pode também piorar a seca de confiança econômica

AQUI EM SÃO PAULO, a gente tem a impressão ou a crença de que costuma chover no dia de Finados. Uma senhora religiosa de boa alma que conheci quando criança dizia que sempre chove no dia dos mortos porque "as almas choram".

Mais provável é que a gente daqui preste mais atenção às chuvas que voltam em outubro, novembro, depois dos meses da estiagem típica da região, que costumavam durar de maio a setembro. Ou porque, enfim, o dia é feriado, de folga.

O domingo e a segunda-feira de ar horrivelmente seco em São Paulo fizeram os vivos, em particular crianças, idosos e alérgicos em geral, chorar. A seca degrada ainda mais o ar da cidade, normalmente imundo. Crises respiratórias, no entanto, talvez sejam ninharia se a seca durar outro verão, como todo o mundo sabe. Mas "todo o mundo sabe" mesmo?

Este jornalista procurou, mas não encontrou, um estudo sistemático dos efeitos econômicos e sociais de um colapso do abastecimento de água no centro econômico do Brasil. Talvez exista algo esquecido numa gaveta dos hidrocratas ou outras autoridades. De qualquer modo, não se fala muito do assunto.

O que aconteceria com a economia do Brasil se a metrópole de São Paulo passasse a viver em regime de vida seca? Os rapazes do mercado já precificaram esse desastre? Se os lagos secarem de vez, a quanto irá o Ibovespa? Qual é o "kit volume morto"? "Kit eleição", como se sabe, é um conjunto de ações quem tem sido objeto de especulações amalucadas na Bolsa de São Paulo (estatais e bancos), por causa da eleição.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, tem feito reuniões a respeito do que fazer e como cobrar o governo de Geraldo Alckmin. Em uma pesquisa do já longínquo maio deste ano, constatou que quase 30% das grandes empresas do Estado "sofreriam um forte impacto de um racionamento de água, pois precisariam paralisar a produção, que pode demorar para ser retomada e até em alguns casos acarretar perda de máquinas e/ou do material que está sendo processado".

"Não existe racionamento, existe administração da disponibilidade de água", diz a presidente da Sabesp. Em maio de 2000, o ministro da Energia do governo FHC dizia que não havia racionamento de eletricidade, mas "gerenciamento da demanda de energia" (grandes indústrias eram "convencidas" a reduzir o consumo em horários de pico).

Não foram tomadas medidas de contenção do consumo, apesar de todos os alertas. Treze meses depois, o governo jogava a toalha. O desastre do apagão, o racionamento, contribuiu para a derrota do PSDB na eleição para presidente em 2002. Agora, Alckmin já foi reeleito. Se houver desastre, qual será a responsabilidade do governador? Aliás, qual o plano de contingência, emergência?

O impacto econômico da seca das torneiras não apareceria apenas na atividade de grandes indústrias, de bebidas ou química, em paradas e demissões, mas no transtorno, em perdas de eficiência e de confiança entre os 20 milhões de pessoas que vivem por aqui. Note-se que a confiança econômica apenas não está mais escassa que as águas do Cantareira.

As almas vão ter de chorar muito por nós.

vinit@uol.com.br


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página