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'Não podemos ser escravos da tecnologia'
Sociólogo Domenico de Masi diz que cultura de dedicação excessiva ao trabalho prejudica prática do ócio criativo
Ensino superior no Brasil e alguns projetos de educação, como o Bolshoi, em SC, são elogiados por italiano
"São Paulo é um grande manicômio. Eu não consigo entender como os milhões de pessoas que vivem aqui passam horas no carro a caminho do escritório, com tantas ferramentas tecnológicas para trabalhar de casa."
O cenário, descrito pelo sociólogo italiano Domenico de Masi, em sabatina promovida ontem pela Folha, serviu como antiexemplo para o conceito que o tornou conhecido há mais de uma década, com o lançamento do livro "O Ócio Criativo".
Professor da universidade romana de La Sapienza, De Masi, 75, explicou o conceito: "Muitas vezes ele é mal compreendido. Ócio criativo não significa 'não fazer nada'. É aliar trabalho, estudo e lazer. Como neste momento em que estamos reunidos aqui neste auditório".
O evento, no Teatro Folha, em São Paulo, contou com a presença dos jornalistas Vera Guimarães Martins, Cassiano Elek Machado, Érica Fraga e Morris Kachani.
A tese de De Masi é a de que os trabalhadores que exercem atividades criativas (cerca de um terço do total) poderiam se tornar mais produtivos se tivessem mais tempo para se dedicar ao lazer e à família. "Dificilmente as grandes ideias surgem no ambiente de trabalho", afirma.
Questionado pela plateia se o ócio criativo seria acessível a todos os trabalhadores, incluindo os que estão em linha de montagem, ele reconheceu que não: "Essa é uma ideia elitista".
Segundo ele, a disseminação da prática do ócio criativo é prejudicada pela prevalência da cultura de dedicação excessiva ao trabalho desenvolvida nos EUA e que afetou países como o Brasil.
"Considero doentia a cultura do 'management' americano", disse. "Acredito que as pessoas passam o dia todo no escritório porque não gostam de suas famílias", ironizou o sociólogo.
Ele diz que, mesmo com o avanço tecnológico, as empresas de forma geral ainda resistem à adoção de práticas como a que chama de "teletrabalho".
"Precisamos nos tornar donos da tecnologia, e não escravos dela."
De Masi reafirmou sua crença no Brasil como um dos principais celeiros do pensamento criativo no mundo.
Mencionou avanços na área educacional (como a universalização do ensino fundamental), elogiou a qualidade das universidades e alguns programas específicos, como o projeto de educação em vigência em Foz do Iguaçu (PR), e a escola de balé Bolshoi, em Joinville (SC).
De Masi também falou sobre a amizade com o arquiteto Oscar Niemeyer e recorreu às sua linhas curvilíneas características para exemplificar o modo de pensar brasileiro. "O francês Le Corbusier [arquiteto que morreu em 1965, aos 77 anos] pensava em linhas retas."