Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Opinião

Cleveland festeja, mas crime deixa questões perturbadoras

PHILIP MORRIS ESPECIAL PARA A FOLHA

Ariel Castro já estava para enfrentar uma audiência de demissão quando completou seu último percurso como motorista de ônibus escolar em Cleveland, em outubro do ano passado.

A última parada de passageiros ficava no quarteirão 2.700 da Loop Drive, uma rua íngreme que passa por um conjunto de habitação popular no oeste da cidade. Um menino de dez anos desceu.

Quando Latricia, a mãe do menino, soube, horas depois de o motorista ser acusado de múltiplos sequestros e crimes sexuais, que seu filho foi a última criança a estar sozinha em um ônibus com Castro, a reação dela foi ruidosa, temerosa e combativa.

"Ele encostou a mão em você?", perguntou, gritando, ao filho, que reagiu com choque.

"Aquele homem encostou a mão em você, ou te disse alguma coisa?", ela praticamente gritou para o menino, aluno de quarta série.

"Não, mamãe, ele não encostou em mim, eu juro. Nem sabia que era ele", respondeu o menino, assustado.

As perversões de Castro não parecem ter incluído meninos negros que ainda não chegaram à adolescência.

Mas imagino que todos os pais cujos filhos tomavam ônibus escolares nas rotas atendidas por ele tenham feito aos seus filhos o mesmo tipo de pergunta incômoda.

Enquanto Cleveland continua a celebrar o improvável resgate das meninas, resta uma questão perturbadora:

Até que ponto estamos vulneráveis à depravação em uma comunidade que ninguém mais pode definir como inocente?

Castro, demitido pelo Conselho de Educação de Cleveland em novembro depois de 21 anos de trabalho e um histórico de desempenho insatisfatório, tinha acesso irrestrito a milhares de crianças, no mesmo período em que manteve três mulheres encarceradas em uma casa.

Como ele conseguiu manter tamanha dissimulação?

Como um homem com um registro disciplinar tão extenso, que inclui abandonar crianças com necessidades especiais no ônibus enquanto ele parava para o almoço, ir às compras usando o ônibus escolar, abandonar o veículo e dirigir de maneira imprudente, conseguiu durante anos cultivar uma imagem pública segura?

Como Castro, baixista, conseguia percorrer a comunidade tocando com bandas latinas e se integrar facilmente, ainda que sua casa fosse uma câmara de tortura?

Um debate ainda mais perturbador é a probabilidade de que existam outras pessoas explorando impiedosamente as posições de confiança que ocupam a fim de atacar inocentes, jovens e ingênuos.

Pode-se dizer que Cleveland já passou por horrores suficientes. Precisamos aprender a trabalhar melhor na proteção de nossos cidadãos mais vulneráveis.

Sofremos demais como comunidade para aceitar passivamente o rótulo de um dos maiores shows de horrores do planeta. Temos de encarar com atenção a tarefa de organizar melhor nossos bairros e sermos melhores vizinhos.

As palavras singelas mas pungentes de um pai podem se provar úteis: "Eu sabia que ela precisava de mim, e nunca desisti!"

Foram as poderosas palavras de Felix DeJesus, quando sua filha Georgina voltou para casa. A mensagem ecoa porque demonstra a espécie de determinação e de espírito combativo necessários para superar adversidades aparentemente intransponíveis.

As mulheres cativas disseram saber que um grupo enfático de parentes e ativistas de seus bairros continuava a acreditar que estavam vivas.

Ouviam as reportagens na mídia, e nos contam hoje que sabiam das manifestações e vigílias feitas por elas.

Esse conhecimento indubitavelmente ajudou a manter sua vontade de viver. "Eles sempre nos ligavam para perguntar o que estávamos fazendo sobre o caso", disse Keith Sulzer, comandante do segundo distrito policial de Cleveland, sobre as famílias.

O poder da pressão sustentada de uma comunidade jamais deve ser esquecido ou ignorado. A polícia de Cleveland trabalhou sem descanso para resolver o caso, em parte porque as famílias garantiram que a cidade mantivesse o interesse.

Recusaram-se a nos permitir que esquecêssemos suas filhas. Essa poderosa dedicação familiar --e uma forte dose de sorte-- são o motivo para que essas mulheres estejam livres hoje.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página