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Clóvis Rossi
A classe média como problema
A Cepal encampa a tese de que as novas demandas sociais refletem a ascensão de fatia antes marginalizada
A Cepal, o braço das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, parece dar razão à crescente tendência de achar que a emergência de uma nova classe média é a origem da onda de manifestações dos últimos tempos, e não só no Brasil.
"As classes médias emergentes colocam novas demandas aos formuladores de políticas", diz relatório recém-lançado.
É basicamente a mesma coisa que vêm dizendo líderes políticos como Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Simplificando, o que os dois têm dito sobre as manifestações de junho é que o pessoal que saiu da pobreza e passou a ser parte da classe média já não se satisfaz com o conquistado e quer mais, mais saúde, mais educação, mais e melhor transporte público --e por aí vai.
A Cepal concorda: "A provisão pública desses serviços [referindo-se especificamente a transporte e educação] frequentemente carece da capacidade de adaptar-se rapidamente às expectativas da população, criando fonte adicional de fricção entre sociedade e Estado".
Antes de prosseguir, é obrigatório dizer que não estou plenamente convencido de que essa tese explica os protestos que surpreenderam o país nos últimos meses.
Quando Lula e Dilma cunharam esse tipo de explicação, até desconfiei de que estavam apenas tentando escapar da responsabilidade que em parte têm pelo fato de que o Estado "carece da capacidade de adaptar-se rapidamente às expectativas da população".
Os dois líderes petistas pareciam querer construir um teorema mais ou menos assim: nós somos responsáveis por passar um contingente considerável à classe média, deixando a pobreza, estado no qual limitavam-se a sobreviver, não lhes sobrando tempo para manifestar-se.
Os protestos, portanto, seriam mérito e não demérito de suas gestões.
Agora que a Cepal, entre outros analistas independentes, compra a tese, obviamente sem mencionar especificamente o Brasil e suas mais recentes administrações, acho que convém prestar atenção a ela.
Até porque, se é verdade que as classes médias estão colocando novas demandas na agenda pública -- o que parece evidente--, então as manifestações vieram para ficar.
Sempre segundo a Cepal, as classes médias nos países emergentes aumentarão de 55% do total em 2010 para 78% em 2025. A contribuição delas para o consumo total subirá de 35% para 60%.
Prevê a Cepal que "governos que falhem em responder apropriadamente a essa nova realidade serão vulneráveis à turbulência social".
Mais: "O rápido crescimento econômico em economias emergentes pode minar a coesão social, se é insustentável ou se seus benefícios são distribuídos assimetricamente".
Parece um parágrafo dedicado especialmente ao Brasil, cujo crescimento rápido mostrou-se insustentável desde 2010 e país em que os benefícios são historicamente distribuídos de forma assimétrica, uma das mais assimétricas do mundo, aliás.
Fica claro que a classe média, supostamente estabilizadora, pode ser um problema até se consolidar no seu novo patamar.