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Ninho de espiões

Linha-dura do Irã dá acesso à antiga Embaixada dos EUA, invadida em 1979, para minar reaproximação com inimigo e lembrar como ele é 'perigoso'

SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ

Ao lado do portão aberto, um cartaz em inglês avisa: "Exposição especial sobre a espionagem da CIA, aberta ao público". Um rapaz barbudo aparece e insiste: "Entrem e fiquem à vontade."

Em iniciativa raríssima, a milícia que controla a antiga Embaixada dos EUA no Irã decidiu permitir visitas ao local onde em 1979 ocorreu a tomada de reféns americanos (52 deles presos mais de um ano) que levou os países à ruptura.

Às vésperas do aniversário do fato, em 4 de novembro, visitantes locais e estrangeiros vêm sendo efusivamente acolhidos na embaixada por integrantes do basij, força paramilitar de centenas de milhares a serviço dos ultraconservadores do regime.

A abertura ao público, que começou no início da semana e se encerra amanhã, é parte de uma operação de relações públicas que visa torpedear a reaproximação com os EUA ensaiada pelo novo presidente, Hasan Rowhani.

Ligados à Guarda Revolucionária, elite militar que teme perder seus privilégios ideológicos e econômicos com uma eventual normalização, os basijis multiplicam manobras para atiçar sentimentos antiamericanos.

"[O aiatolá Ruhollah] Khomeini [fundador da teocracia iraniana] já dizia que a Guarda Revolucionária deve ser responsável pelas campanhas culturais", justifica Mohamadreza Shoghi, que usa barba rala e camisa de botão típicas dos basijis.

"Os EUA descumpriram a promessa de nos enviar o xá [deposto Mohamed Reza Pahlavi] e de devolver nossos fundos bloqueados. Derrubaram o premiê [Mohamed Mossadegh, em 1953] e mataram 290 civis atirando contra um voo da Iran Air [em 1988]. O que é uma tomada de embaixada diante disso tudo?"

"NINHO DE ESPIÕES"

Na manhã de ontem, a Folha circulou pelo local conhecido na retórica iraniana como "ninho de espiões" por ter abrigado um importante escritório da CIA.

No jardim jazem duas turbinas originais de um helicóptero dos EUA que caiu num deserto quando se dirigia a Teerã para tentar libertar os reféns, em 1980. Oito americanos morreram na ação, qualificada de castigo divino por Khomeini.

Dentro, as paredes da escada principal estão cobertas por desenhos que retratam desde a tortura de presos pelos EUA na prisão iraquiana de Abu Ghraib até a violência de Israel contra palestinos.

O segundo andar abriga as instalações que levaram os iranianos a batizar o local de antro da espionagem.

Uma porta blindada desvenda uma "sala de vidro", que parece cenário de ficção científica. Construída como uma espécie de caixa com paredes de plástico transparente que a blindavam contra escutas e monitoramento por satélite, era usada para conversas secretas.

Três bonecos estão posicionados na mesa da sala de vidro. Um deles representa William Sullivan, embaixador americano no Irã no momento do sequestro. Sullivan morreu na semana passada, aos 90 anos de idade.

Numa sala ao lado encontra-se um dos trituradores de papel usados para eliminar documentos confidenciais em casos de emergência.

No início do filme americano "Argo" (2012), que trata do sequestro da embaixada em Teerã, funcionários são retratados enfiando papeis na máquina no momento da invasão do prédio.

Ao fim do corredor que corta o segundo piso, encontram-se cômodos com caixotes de equipamentos eletrônicos cheios de botões, indicadores com agulha e cabos externos, num visual típico da tecnologia dos anos 1970.

Uma das salas era usada como base do aparato de escutas telefônicas e monitoramento dos iranianos. Outra, ao lado, abriga computadores e aparelhos de telex que serviam para criptografar mensagens enviadas e decodificar as recebidas.

Há, ainda, um quarto onde são exibidos objetos e produtos que permitiam falsificar documentos, inclusive de identidade, destinados aos espiões americanos.

PROPAGANDA

Às instalações originais da embaixada somam-se itens de propaganda espalhados no local por autoridades iranianas. Fotos dos reféns sorridentes são acompanhadas de textos em inglês relatando suposto tratamento digno durante o cativeiro. Uma das imagens os mostra comendo uma ceia de Natal.

"A invasão da embaixada foi um ato de soberania e permitiu aos iranianos tomarem as rédeas de seu destino", disse o venezuelano Aquiles Rengifo, 33, no Irã para um festival de bandas. Questionado se deseja ver invadida a Embaixada dos EUA em Caracas, desconversou. "São situações diferentes."

Entre iranianos, parecia haver pouco respaldo à ideia de uma mobilização contra acenos de Rowhani aos EUA. O engenheiro Ali Hayderi, 37, disse que o verdadeiro inimigo do Irã hoje são os países árabes.


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