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Véu da discórdia

Reino Unido estuda proibir médicas islâmicas de usar veste ao atender pacientes; ativistas veem islamofobia

LEANDRO COLON DE LONDRES

Os britânicos enfrentam um debate inusitado, delicado e polêmico: deveria uma médica muçulmana que, por opção religiosa, usa o véu por toda a face retirá-lo no atendimento a um paciente?

Para o premiê conservador David Cameron, sim --tanto que pediu oficialmente, há um mês, a revisão de regras. O país estuda proibir que as médicas escondam o rosto no horário de expediente.

Na verdade, o governo pegou carona na revelação de que 17 tradicionais hospitais britânicos proibiram, sem alarde e usando regras internas, que profissionais de saúde usem esse véu.

Não há uma recomendação nacional. Agora, porém, o governo quer que todos os hospitais do Reino Unido, cerca de 2.300, adotem a mesma regra, sob a alegação de que o pano na face prejudica a comunicação entre médicos e pacientes.

"Certamente, se eu fosse o paciente, gostaria de ver o rosto da médica ou da enfermeira que está me tratando", diz o ministro da Saúde britânico, Jeremy Hunt. "É importante para o paciente obter o contato adequado com os médicos que vão cuidar deles depois", acrescenta.

A decisão do governo teve reação imediata da comunidade muçulmana, segunda maior religião do Reino Unido, com 3 milhões de adeptos, sendo 800 mil mulheres.

É muito comum nas ruas de Londres, por exemplo, cruzar com mulheres usando véu. Há vários tipos, e seu uso é opcional, dependendo da interpretação do Alcorão. A discussão nos hospitais gira em torno do niqab, que cobre todo o rosto, menos os olhos.

A vestimenta sempre foi polêmica em países ocidentais. Na França, não se pode usar o véu integral (niqab e burca) em espaços públicos. No Reino Unido, ele é liberado. O que desperta a atenção agora é o foco do debate: a saúde pública.

CRÍTICA AO GOVERNO

A Folha entrevistou Mussurut Zia e Talat Ahmed, duas das mais ativas lideranças femininas da comunidade muçulmana no Reino Unido.

Elas reconhecem que o véu pode dificultar a comunicação entre médico e paciente, mas alegam que o debate é preconceituoso, não faz sentido agora e só estimula a islamofobia. O véu, dizem, é uma peça religiosa, não uma escolha cultural.

Outro argumento usado por elas é que não há estatística de quantas médicas atendem com o niqab --ou seja, não haveria motivos para a discussão. A estimativa é que pelo menos 10 mil médicos muçulmanos, entre homens e mulheres, trabalhem hoje no Reino Unido.

"É um debate para o público chegar a uma solução, e não para os políticos dizerem o que os britânicos têm que usar", disse Mussurut Zia, que é secretária-geral da Rede de Mulheres Muçulmanas.

E continua: "Não acredito que o véu interrompa a comunicação, mas concordo que pode limitá-la. Podemos encontrar uma forma de melhorar a interação, como a médica tentar um contato a sós com o paciente antes de uma cirurgia, sem a necessidade de obrigá-la a retirar o niqab. As raízes do uso do véu estão no islamismo, não se pode negar isso".

Para Talat Ahmed, dirigente do Conselho Britânico dos Muçulmanos, o governo está usando o debate para tentar "distrair" a população.

"O uso do véu é uma escolha pessoal da mulher --eu, por exemplo, não uso. Um debate como esse só aumenta a islamofobia. O governo quer usar isso para esconder problemas na economia", argumenta a ativista.

Procurado pela reportagem, o GMC (General Medical Council), órgão regulador da atuação dos médicos, esquivou-se.

Disse que não deu nenhum tipo de ordem sobre o que os médicos devem usar, mas faz uma recomendação em seu "guia": "Os médicos devem dar aos pacientes todas as informações que eles querem e precisam saber e da maneira que possam entender".

A Folha localizou médicas que usam o véu em hospitais, mas não quiseram dar entrevistas. Alegam que o contrato de trabalho impede manifestação pública.

O marido de uma delas, por exemplo, afirmou à reportagem que a mulher estava "apreensiva" e, por escrito, informou de última hora que ela desistira de se manifestar.

A reportagem visitou um dos hospitais que proibiram seu uso, o Royal London Hospital, que fica em Whitechapel, região predominantemente islâmica.

Circulou pela enfermaria, por algumas áreas específicas, como a ortopédica e a oftalmológica. A maioria dos pacientes era de muçulmanos, muitas mulheres de véu, mas nenhuma médica.

A assessoria do hospital informou que não se pronunciaria.


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