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Depoimento

Tufão deixou cenário de guerra nas Filipinas

Situação de vítimas da tempestade na Ásia consegue ser mais precária e desesperadora que a de zonas de conflito

Cobri vários conflitos no oriente médio, e em nenhum deles havia tantos cadáveres insepultos como em Tacloban

MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A TACLOBAN

É quase automático descrever a devastação provocada pelo tufão Haiyan nas Filipinas como um cenário de guerra. Vista do alto, a região parece ter sido alvo de um grande bombardeio. Em muitos aspectos, porém, a situação das vítimas é mais precária e desesperadora que nas zonas de conflito em que trabalhei.

Para começar, o impacto do tufão provoca destruição total por onde passa. Não há bolsões de relativa normalidade, como nas guerras, onde geralmente algumas áreas são poupadas do pior.

Em Tacloban, capital da ilha de Leyte, uma das mais atingidas, absolutamente nada escapou da tragédia.

Palco da campanha que ficou conhecida como a "Batalha de Leyte", em 1944, que resultou na vitória do Exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial e no fim de três anos de ocupação japonesa do arquipélago filipino, a ilha viveu nos últimos dias uma nova batalha.

As lojas que ficaram de pé foram saqueadas. Caixas eletrônicos estão arrombados. Um grande McDonald's ao lado do porto está escancarado, com as portas de ferro retorcidas para cima.

A violência do tufão Haiyan paralisou os serviços públicos, deixando os moradores à própria sorte. Policiais e bombeiros tiveram suas casas destruídas e estavam ocupados demais em salvar suas famílias para proteger a população.

Terra arrasada, Tacloban, de 220 mil habitantes, formada em sua maioria por favelas de casas precárias, virou um território sem lei.

Saqueadores de outras províncias aproveitaram o vácuo de autoridade para atacar o comércio e levar tudo o que podiam. Quando as lojas estavam vazias, casas tornaram-se alvo. Famílias montaram patrulhas contra saques.

Para alguns, a insegurança superou até a fome. Militares filipinos contaram que alguns perguntavam antes se havia munição disponível para só depois pedirem comida.

"Somos seis irmãos e temos algumas armas. Decidimos nos revezar. Dois ficavam protegendo a casa enquanto os outros saíam para procurar comida", contou o estudante Laurence Gui, 18.

Ocorrida logo após a passagem do tufão, a pilhagem agravou um dos maiores dramas da população, o desabastecimento. Faltava tudo, principalmente alimentos e água potável.

"Muitos se prepararam para a tempestade, estocando comida. O problema é que a maioria perdeu tudo na inundação, e depois não havia nada nas lojas por causa dos saques", disse o padre Edwin Bacaltos, que abrigou 325 famílias em sua igreja.

Mobilizada pelas cenas apocalípticas das ilhas arrasadas, a reação internacional foi rápida, com o envio de alimentos e equipes de emergência. Mas o apagão logístico do governo filipino travou a distribuição da ajuda.

Seis dias após o tufão, centenas de sacas de arroz se acumulavam na sede da prefeitura à espera de caminhões que pudessem levá-las aos necessitados. Nem bairros próximos foram atendidos.

Habituados à corrupção e à ineficiência do governo, os moradores mostravam uma espantosa resignação.

Não houve registro de protestos, o que livrou as autoridades de apressar o passo. A pressão só aumentou quando a mídia estrangeira passou a criticar a leniência.

Nos últimos anos, participei de coberturas de vários conflitos armados no Oriente Médio, no Líbano, na faixa de Gaza, na Síria e na Líbia. Em nenhum desses locais havia tantos cadáveres insepultos como vi em Tacloban.

Os moradores conviveram quase uma semana com corpos em decomposição que jaziam no meio do lixo. Quando as águas baixaram, o drama estava só começando.


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