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Bandejão do Xi
Empenhado em projetar simplicidade, líder chinês almoça em restaurante popular de Pequim e transforma local em ponto de peregrinação
As filas começam a se formar cedo, serpenteiam entre as mesas do pequeno salão e antes do meio-dia já invadem a calçada.
A visita inesperada de Xi Jinping, o líder máximo da China, transformou um restaurante popular de Pequim em local de peregrinação --e de culto aos bolinhos recheados que ele comeu.
"O presidente é simples, ficou na fila e pagou como todo mundo", contou à Folha Guo Xuemei, 20, a tímida funcionária que atendeu Xi.
Num país de partido único, onde os líderes não precisam de jogadas de marketing e raramente têm contato direto com a população, o almoço de Xi causou enorme sensação.
O assunto se tornou o mais comentado nas redes sociais, onde imagens do dirigente chinês almoçando foram reproduzidas aos milhões.
Ponto para ele, que parece estar empenhado em mostrar que tem um estilo mais informal e popular que seu antecessor, Hu Jintao.
Desde que Xi apareceu de surpresa,em 28 de dezembro, o movimento quadruplicou no restaurante, que faz parte da popular rede de comida rápida Qing Feng, especializada em "baozi", os bolinhos recheados cozidos no vapor.
Quase todos querem a "refeição do presidente", como ficou conhecido o pedido de Xi: seis baozi de porco, uma porção de folhas de mostarda e uma sopa viscosa feita com miúdos suínos. Preço total: 21 yuans (R$ 8,20).
A dona de casa Wang Ping, 36, viajou 120 km da cidade de Tianjin, onde mora, só para provar o "baozi do presidente". Esperou duas horas para se sentar exatamente no lugar em que Xi comeu.
Quando sua vez chegou, soube que havia uma ligeira diferença. A mesa e as cadeiras originais foram retiradas pelo dono do restaurante e viraram peças de colecionador. Mas isso não diminuiu nem um pouco sua alegria.
"Ele mostrou que é um homem do povo. Esperei duas horas, porque isso é o mais próximo que eu jamais chegarei do presidente", disse Wang, sem perceber a contradição. Saiu carregando uma quentinha com 12 bolinhos, que iria levar para os pais "para dar sorte".
A imagem de homem do povo está longe da realidade. Xi, 60, é um "príncipe" da elite comunista. Seu pai foi um importante líder, que caiu em desgraça perante Mao Tse-tung e mais tarde foi reabilitado por Deng Xiaoping.
A simplicidade projetada por Xi, porém, se encaixa na campanha de austeridade e anticorrupção adotada por ele desde que assumiu a liderança do Partido Comunista, em novembro de 2012.
Ao mesmo tempo, o governo aumentou as restrições à liberdade de expressão na internet e na imprensa. Uma onda de prisões tirou de circulação importantes ativistas de direitos civis.
Pouco mais de um ano após chegar ao topo da hierarquia comunista, Xi consolidou sua posição a ponto de estar sendo considerado o líder chinês mais poderoso desde Deng Xiaoping, o "chefe supremo" que deu início à abertura econômica.
Na semana passada, foi divulgado que Xi chefiará o comitê responsável por implementar o ambicioso plano de reformas econômicas decidido pelo Partido Comunista em novembro.
O anúncio confirmou um acúmulo de poderes como há muito não se via nas mãos do presidente e o enfraquecimento do premiê Li Keqiang. Tradicionalmente, o premiê era o encarregado de assuntos econômicos.
Para analistas, o risco é que o acúmulo de poder gere excesso de confiança. Isso poderia levar a China a dar um passo além de sua capacidade em temas externos, como na disputa territorial com o arquirrival Japão.
"O líder chinês provou ser um acumulador de poder extremamente bem-sucedido. Agora vamos ver o que ele faz com isso", escreveu Jonathan Fenby, autor de vários livros sobre a China.