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Clóvis Rossi
Uma guerra sem tiros
Descartada a intervenção militar, ao Ocidente resta só sanção econômica, que machucaria os dois lados
Para seu padrão habitualmente truculento, até que Vladimir Putin, o presidente russo, foi moderado na sua primeira intervenção pública para falar da crise ucraniana.
Descartou anexar a Crimeia e ainda deixou claro que o uso da força na Ucrânia seria somente como "ultimo recurso", além de ter devolvido aos quartéis as tropas que faziam exercícios perto da fronteira.
É possível especular as razões da moderação a partir de uma frase do próprio Putin, quando perguntado sobre as sanções que as potências ocidentais ensaiam (molemente) implementar contra a Rússia.
"No mundo moderno, em que tudo está relacionado e em que todos dependem de todos, é óbvio que [as sanções] podem causar dano, mas o dano será recíproco", disse o presidente russo.
Bingo.
Comecemos pela arma de uso mais imediato que a Rússia poderia acionar como retaliação a sanções europeias. É o gás. A Europa, de fato, importa da Rússia 30% de todo o gás que consome.
Mas a Rússia também depende do mercado europeu para 24% de suas exportações totais. Mexer com o gás é mexer com 70% das exportações russas globais e com 50% das receitas do governo.
Pior, para a Rússia: os contratos gasíferos são de longo prazo, exatamente para dar previsibilidade ao fornecimento, o que significa que cortar as remessas ou aumentar os preços seria romper contratos, um tiro no próprio pé.
Para a Europa, o comércio com a Rússia, nos dois sentidos, movimenta suculentos US$ 340 bilhões, o que explica a enorme cautela com que se movem os dirigentes europeus.
De todo modo, sanções econômicas dificilmente fariam a Rússia voltar atrás da ocupação da Crimeia.
A Rússia, aliás, nem precisa anexar a Crimeia. A base que lá possui, "leasing" que irá até 2042, podendo ser prorrogado até 2047, lhe assegura na prática os meios para controlar a península e para proteger a maioria de origem russa que nela habita.
No restante da Ucrânia em que há minorias russas numerosas, a tática parece já estar desenhada: forçar a realização de plebiscitos com vistas a obter autonomia ou, no limite, a independência.
Seria a transformação de uma Ucrânia hoje unitária em uma federação, talvez uma confederação.
É, não por acaso, a proposta de Serguei Glazev, assessor de Putin para temas da Comunidade de Estados Independentes (o conglomerado de ex-satélites soviéticos): uma profunda federalizacão das regiões Leste e Sul da Ucrânia (pró-Rússia), com a possibilidade de que essa parte do país participe da Comunidade Econômica Eurasiática (Rússia, Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão), enquanto a Ucrânia Ocidental ficaria para a Europa.
Seria a maneira de permitir a Putin que mantivesse a obsessão com a remontagem, ainda que parcial, do império russo, sem o uso da força, ao mesmo tempo em que os ucranianos poderiam sonhar o sonho europeu que foi o combustível para as grandes manifestações que derrubaram Viktor Yanukovich.
Falta combinar com os russos, digo, com os ucranianos.