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Entrevista Nicolás Maduro, 51
Extrema direita provoca o caos para derrubar governo
Presidente venezuelano afirma que violência é parte de estratégia golpista e diz que não tolera abuso policial
Quase dois meses após o início dos protestos que já deixaram 39 mortos na Venezuela --dois deles ontem--, o presidente Nicolás Maduro recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva em Caracas. Foi a primeira conversa do dirigente com um jornal desde a onda de violência.
A conversa ocorreu anteontem, dois dias depois que chanceleres de países da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) visitaram a Venezuela para se reunir com o governo e com representantes da oposição, que acusaram Maduro de reprimir os protestos com prisões e torturas --coisa que ele nega.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:
Folha - Uma das recomendações da Unasul depois de visitar a Venezuela foi a de que se modere a linguagem para viabilizar o diálogo entre governo e oposição. Como o senhor recebeu este conselho?
Nicolás Maduro - A visita da Unasul foi solicitada por nós. E foi organizada em tempo recorde. A Unasul está dando a máxima prioridade à defesa da democracia na Venezuela, ao governo constitucional e contra o golpe de Estado.
Os chanceleres se reuniram com todos os setores. E puderam constatar as dificuldades que existem para o diálogo político com um setor da direita que, apesar de chamado, não quer dialogar. E que tenta tapar o golpe dizendo que são apenas protestos.
Não são. É um golpe que assumiu uma modalidade perversa de violência na rua. Agora, está bem: se ajuda que esse setor se sente numa mesa para falar de paz, baixemos um pouco o tom da linguagem.
Mas o senhor ainda não baixou.
Na Venezuela há um debate muito quente, permanente. E nós, venezuelanos, temos uma virtude: dizemos as coisas como é preciso dizer.
Vocês propõem mudanças profundas no país e uma parte da população é contra. A polarização, portanto, deve seguir.
Em todos os países democráticos há polarização. Na Venezuela, ela é histórica, entre um projeto de pátria e outro, de antipátria. As mudanças que promovemos foram debatidas em 19 eleições, e nós vencemos 18.
O nosso socialismo democrático, bolivariano e cristão foi referendado por uma sociedade que baixou a pobreza de 70% para menos de 20%, que reduziu a miséria extrema de 30% para menos de 7%, o desemprego, de 25% para 5,6%.
Esse modelo encontrou uma oligarquia, uma direita que se opôs antidemocraticamente, que deu golpes. Que entra no canal eleitoral e constitucional por alguns momentos, mas que sai dele muito rápido. E que agora retornou ao caminho golpista.
Os estudantes de oposição apresentaram à Unasul relatos de repressão e de tortura.
Falso. Mentem descaradamente. A tortura acabou na Venezuela como política de Estado. Ainda há 5.000 desaparecidos no país das décadas de 60 e 70, época em que milhares de estudantes e trabalhadores foram torturados e assassinados e não se dizia nada. A tortura acabou com a vitória da revolução bolivariana.
E as prisões de manifestantes?
Dirigentes da oposição se comunicaram com nosso vice-presidente no início das manifestações violentas para dizer que havia abuso policial e tortura. Eu falei: tragam-me as denúncias. Tem cinco semanas que estou esperando. Se aqui há algum tipo de abuso policial, imediatamente [os agentes de segurança] são capturados e sentenciados.
Estão apresentando um mundo ao contrário. Primeiro, há um chamado para derrubar um governo legítimo. Ele é acompanhado de queima de universidades, de ônibus, de metrô, de serviços elétricos, de ataques e de assassinatos violentos.
A oposição diz que 800 mil saíram as ruas e que só uma minoria é violenta. Mas o governo criminaliza a todos.
Por covardia, a oposição se deixou estigmatizar e levar por uma extrema direita golpista. Guardaram silêncio. Quando queimaram ônibus e universidades, disseram que era um protesto justo.
O senhor define a campanha "A Saída", que prega que deixe o governo, como tentativa de golpe. No Brasil, o PT fez a campanha "Fora FHC" no governo de Fernando Henrique Cardoso. Sempre houve o "Fora Lula". E os governos nunca falaram de golpe.
Qualquer um pode falar. Mas, na Venezuela, não se trata de uma palavra. É um plano político. Aqui se convocam manifestações violentas que provoquem o caos e a ingovernabilidade para derrubar um governo legítimo. Não conseguiram. Nem vão conseguir.
No Brasil houve protestos violentos em 2013, até com tentativa de invasão do Palácio do Planalto. E o governo não falou de golpe. Não há um exagero de retórica?
É incomparável. Na Venezuela, nós temos uma direita que já deu vários golpes de Estado condenados internacionalmente. E que é ligada aos círculos mais conservadores e de tradição golpista dos EUA.
Hoje nós temos provas de que toda a organização e a liderança fundamental da direita venezuelana recebe milhares de dólares para impulsionar saídas não constitucionais na Venezuela.