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Entrevista - Jonathan Fenby

China não será o temível dragão que vai devorar o mundo

PARA AUTOR DE NOVE LIVROS SOBRE O PAÍS, GIGANTE ASIÁTICO TEM DIFICULDADES ESTRUTURAIS PARA SE EQUIPARAR AOS EUA EM TERMOS DE INFLUÊNCIA

MARCELO NINIO DE PEQUIM

A ascensão da China a potência global número um esbarra no sistema totalitário criado pelo Partido Comunista, que impede as reformas necessárias para que o país possa dar o salto.

Esse é o argumento central do livro "A China Dominará o Século 21?" (sem edição no Brasil), recém-lançado pelo sinólogo britânico, Jonathan Fenby, 71.

Ao contrário do que pensam (e temem) muitos analistas, Fenby acha que o Partido Comunista chinês não tem ambição de exercer um papel dominante no mundo.

Autor de nove livros sobre a China, ele trabalha na consultoria Trusted Sources, especializada em mercados emergentes. A seguir, sua entrevista à Folha, dada num café de Pequim.

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Folha - A China dominará o século 21?
Jonathan Fenby - A China deve passar os Estados Unidos e se tornar a maior economia do mundo no fim desta década. Não significa que estará em posição dominante. Por várias razões.
A principal é que vai continuar dependente de recursos externos para sempre. É um país rico em gente, mas não tem minério de ferro, cobre, petróleo, gás e outras coisas que precisa para sustentar suas necessidades. Também falta terra. A China tem 6% da terra arável do mundo, com 21% da população mundial.
Além disso, a China ainda é muito dependente, embora menos do que no passado, de exportações para o resto do mundo, o que induz a fragilidade.
Não podemos jamais desprezar que o desempenho da economia chinesa nas últimas três décadas foi extraordinário. Mas agora o país tem dificuldades para chegar ao próximo estágio.
A questão demográfica é muito séria. Há incentivo para não ter filhos e ao mesmo tempo as pessoas estão vivendo mais, sem um sistema de pensão apropriado.
Por todos esses fatores não acredito que a China será esse temido grande dragão que irá devorar o mundo.
O argumento central do meu livro é que a natureza do sistema político é um obstáculo para as mudanças necessárias para que a China seja número um no mundo. Não é só um problema econômico, é político, social e legal.

E na política externa?
A China está a caminho de ser a maior economia do mundo, mas não desenvolveu uma política externa para acompanhar isso. Reclama da ordem internacional, mas não aceita discutir a reforma da ONU, porque não quer perder seu assento permanente no Conselho de Segurança nem dividir com outros, como Brasil, Índia e muito menos com o Japão. Falta um envolvimento mais construtivo, mas não vejo a China querendo isso.
Há contradições interessantes e irônicas, como no caso da Ucrânia. A China não quer criticar a Rússia, porque está esperando fechar um acordo de gás com Moscou e porque a Rússia é uma espécie de amigo. Mas o que a Rússia está fazendo na Crimeia é exatamente o que a China diz ser contra [intervenção em assuntos de outro país]. Se na Crimeia pode, por que não no Tibete e em Xinjiang [províncias chinesas com focos separatistas]?.
Há também o interesse comercial, porque a China investiu US$ 6 bilhões na Ucrânia nos últimos dois anos em troca de alimentos, mas quase não viu retorno.
Para o governo chinês, a crise na Ucrânia mostra como é perigoso se envolver com o mundo, porque surgem todas essas contradições. Não vejo a China atuando como um líder global e nem acho que essa é a ambição do governo. O que a China quer é ser reconhecida como grande potência, mas sem ter que se envolver muito com o resto do mundo, exceto em comércio.

Por quê?
Acho que eles gostam de ser "outsiders", porque isso lhes dá poder. Essa pode ser a melhor política para um personagem de faroeste, mas não para um país que quer ser visto em pé de igualdade com os EUA.
O modelo chinês não inspira. As pessoas foram às ruas na Ucrânia e no Oriente Médio em busca de democracia como no Ocidente. Eu nunca vi ninguém protestar para ter o modelo chinês.

Qual a prioridade do governo?
Autopreservação. Estrangeiros costumam minimizar a importância que a criação de empregos tem para o regime. Há uma passagem no livro de memórias de George W. Bush em que ele pergunta ao [ex-presidente] Hu Jintao o que o fazia perder o sono.
Bush diz que para ele é o terrorismo. Hu responde: a necessidade de criar empregos. Sempre foi assim e por uma razão simples. Há entre 160 mil e 180 mil protestos por ano na China.
Os motivos são geralmente locais, desapropriação de terras, abuso policial, corrupção, preços de ônibus e impacto ambiental de alguma fábrica. Se houver desemprego em massa, isso criaria uma espécie de cola entre esses protestos e poderia sair do controle. É disso que o governo tem medo.


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