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Regime sírio ganha terreno contra rebeldes

Ditadura de Bashar al-Assad vive seu momento de maior força em meses; guerra civil no país entra em seu 4º ano

Moradores de Damasco adaptam-se ao conflito; Exército reverte ganho de insurgentes, acuados na periferia da capital

DIOGO BERCITO ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO

Bum, bum, bum. O ar quente da noite damascena se expande sob o rugido repetido de artilharia, conforme o Exército de Bashar al-Assad bombardeia os redutos restantes da oposição armada na capital. As vidraças tremem, mas as pessoas não.

Damasco inicia seu quarto ano de violento conflito dando o testemunho da mão firme que ainda mantém essa cidade sob seu controle, apesar da catástrofe humanitária que assola o país, com 9 milhões de pessoas deslocadas e mais de 150 mil mortos.

A capital aprendeu a não ouvir as explosões e a se adaptar à queda constante e letal dos morteiros lançados pelos rebeldes sírios. Os carros, que no início da guerra evitavam as ruas, hoje desviam das crateras no asfalto.

Com avanços militares e com a manutenção da aparência de ordem em Damasco, o ditador Assad vive seu momento de maior força nos últimos meses. Na segunda-feira, ele previu o fim da crise em até um ano, durante uma reunião com o ex-premiê russo Sergei Stepashin.

A confiança leonina do ditador se reproduz ao longo dos braços do regime, contagiando também seus aliados mais fiéis, como a liderança na mesquita Omíada, uma das mais influentes dentro da tradição islâmica sunita.

Os mosaicos centenários de sua fachada foram danificados, em novembro, por um morteiro. Hoje, estão restaurados. No tradicional sermão de sexta-feira, acompanhado pela Folha, o imã (autoridade islâmica) Maamun Rahma falava ao público sobre a vitória próxima, no horizonte.

"O projeto americano na Síria falhou", ele diz à reportagem depois do discurso. "O povo sírio está resistindo."

Rahma, conhecido por sua postura pró-regime, foi sequestrado em janeiro de 2012 por insurgentes na periferia de Damasco. Ele retira sua touca para mostrar a orelha direita decepada. "Esses atos me dão mais fé, porque mostram que estou certo", diz.

"A palavra dos rebeldes é um falso testemunho. Eles vieram de fora do país para cortar cabeças em nome do islamismo, mas a religião recusa esses atos. Essa é uma guerra contra o islã na Síria."

NARRATIVA DO REGIME

O imã representa a narrativa do regime, contestada pela oposição armada, de que a insurgência é constituída a partir de islamitas radicais financiados pelas potências regionais, como a Arábia Saudita e a Turquia.

Rebeldes afirmam, por sua vez, e apoiados pela comunidade internacional nessa versão, que a sua insurgência foi iniciada, em março de 2011, por manifestações pacíficas em prol de maior liberdade no país, governado há décadas por um mesmo partido e pela mesma família.

Com a repressão dos protestos e a tortura de manifestantes, a crise tornou-se um embate violento pelo poder, atraindo facções ao solo sírio --algumas delas ligadas à rede terrorista Al Qaeda.

Insurgentes controlam diversas regiões do país, em especial as mais ao norte, na fronteira com a Turquia. Mas, em Damasco, seus ganhos foram revertidos pelo Exército sírio, e rebeldes estão hoje acuados em bairros da periferia, sob a chuva de artilharia e a desaprovação da população fiel ao ditador.

A segurança na capital é mantida por um forte aparato militar. Nas principais vias, há faixas específicas para emergências, pelas quais passam os carros autorizados. Veículos são revistados pelos soldados onipresentes.

Os bairros próximos às zonas de combate são os mais afetados. As explosões de morteiros lançados por rebeldes são frequentes, como na região cristã de Bab Tuma. A igreja armênia ortodoxa está na linha de fogo e, em novembro do ano passado, quatro crianças foram mortas por um projétil em seu pátio.

"Damasco é uma cidade segura, mas ainda vemos ataques dramáticos como esse", afirma à reportagem o bispo Armash Nalbandian. "Nossos muros viraram a linha de frente de combate."

Aliado ao regime e descontente com a oposição, ele diz que os rebeldes são "criminosos". "Eles estão comendo corações, cortando cabeças e atacando escolas", afirma, referindo-se às supostas violações cometidas por insurgentes no restante do país.

Há registros de crimes cometidos por ambos os lados no conflito. Porém, a alta comissária da ONU para direitos humanos, Navi Pillay, disse na semana passada que as violações executadas pelo regime "superam de longe" as imputadas aos rebeldes.

Uma comissão internacional de inquérito liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro tem culpado tanto Assad quanto os insurgentes pela catástrofe humanitária. "Mas você não pode comparar os dois", afirmou Pillay.

Assad, por outro lado, tem tido forte apoio das lideranças cristãs, tradicionalmente protegidas no país e, hoje, receosas dos avanços de islamitas, responsáveis por ataques a redutos cristãos na Síria, a exemplo de Maalula e Kassab. "A estabilidade de um governo significa, para mim, a segurança da igreja", diz o bispo Nalbandian.

MILÍCIAS NA CAPITAL

Civis tomaram para si, também, a tarefa de garantir uma capital estável ao regime. Damasco é hoje protegida por milícias regionais que, armadas pelo Exército com rifles Kalashnikov, defendem os seus bairros.

A reportagem da Folha sentou-se com o líder de um desses grupos na região de Bab Sharqi. "Somos médicos, engenheiros, advogados que querem defender suas famílias", diz. Ele tem 44 anos e prefere não revelar o nome.

Afirma ter sido incumbido do cargo pelo Exército "porque queriam um homem confiável e amado pelo povo". Dono de uma loja de ouro, ele hoje passa dia e noite coordenando postos de controle.

De acordo com a milícia, cada grupo é constituído de "algumas centenas". "Mas as famílias nos ajudam com informações. Quem não quer participar pode cuidar dos primeiros socorros", diz.

Enquanto conversa com a reportagem, o líder do grupo armado é avisado de que um general sírio foi morto por um morteiro em um local próximo. Os demais feridos foram levados dali até o hospital francês Saint Louis.

Uma freira informa à Folha que são 22 feridos, além do militar morto. A reportagem visita um deles, em cuidado intensivo após ser atingido por um estilhaço na nuca. Com o travesseiro empapado de sangue, Jilal Fahrur, 35, grita em desespero.

Asmat Fahrur, seu irmão, conta que Jilal foi atingido a caminho do restaurante em que trabalha. Um amigo havia telefonado para avisar.

"Só pedimos que esse sofrimento seja encerrado", diz. A reportagem lhe pergunta que tipo de solução existe. "A militar", responde.


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